Folha de S. Paulo


Cuidado, Ronaldo

Em 2002, o "eu tenho medo" de Regina Duarte, no programa eleitoral do PSDB, tornou-se uma polêmica para ninguém botar defeito. A atriz, sempre queridinha das massas, virou carne para os leões que defendiam a eleição de Lula.

Em 2014, entrou em cena uma variação da antiga frase: "eu me sinto envergonhado". Foi proferida por Ronaldo Fenômeno, um neocrítico do governo e mais recente cabo eleitoral do oposicionista Aécio Neves (PSDB).

Em uma surpreendente entrevista à Reuters, o ex-atacante lançou seu corolário sobre os conhecidos atrasos nas obras do mundial. O problema é que, junto a ele, sapecou a palavra vergonha. Pior: fez isso dias antes de declarar seu apoio ao tucano.

"Eu me sinto envergonhado, porque é o meu país, o país que eu amo, e a gente não podia estar passando essa imagem para fora."

Tivesse ele invertido a ordem das declarações, ao menos se saberia que ali falava não só como representante do comitê organizador. Faria toda diferença.

O governo demorou muito para iniciar os projetos de infraestrutura? Sim. Ambicionou o maior número possível de sedes sem avaliar se os Estados poderiam dar conta tranquilamente dos investimentos? Sim. Portanto, merece ser criticado.

Mas Ronaldo pode ter passado do ponto, entrado no terreno do orgulho nacional. Subiu, de graça, no ringue da eleição e pode pagar um preço alto.

A final da Copa dirá se sua vergonha foi profética ou agourenta. Se o Brasil levantar a taça e nenhuma crise ofuscar o campeonato, os leões de Regina não o pouparão.

E, como por aqui, tudo vira campanha, a vergonha de Ronaldo pode até atrapalhar seu candidato. Imagine Dilma e sua turma falando no programa de TV que, enquanto se orgulha do Brasil, o adversário ruboriza na condição de brasileiro.

O marqueteiro João Santana não perderá a deixa. Em uma variação do "nós contra eles", veremos a exploração dos "com vergonha" contra os "sem vergonha". No bom sentido, é claro.

Cuidado, Ronaldo. Em tempos de eleição, o jogo fica bruto.


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