Folha de S. Paulo


O inferno são os outros

Dilma Rousseff está testando um discurso eleitoreiro para carimbar nos adversários o selo dos torcedores "do quanto pior, melhor". Ou, em homenagem aos simpáticos do existencialismo, uma estratégia sartreana: o "inferno (não somos nós) são os outros".

Os "outros", ou seja, os críticos, recusam-se a ver o PIB "bombando", a Petrobras "nadando" em dinheiro, a inflação "controlada", os reservatórios de água "cheios" e as contas "baratinhas" de luz no futuro.

Nos últimos meses, Dilma vem refinando a tradicional linha de ataque amparada na dualidade "nós contra eles". Diante das apostas de um crescimento fraquinho, e com a população cada vez mais desconfiada com a Copa, optou por uma variação dessa máxima petista. Tacha de pessimista qualquer um que critique o governo federal.

Assim, quem apontar erros da administração, mesmo sem motivação eleitoral aparente, é automaticamente lançado nessa vala comum.

Do ponto de vista marqueteiro, a tática parece boa, pois cria uma cortina de fumaça para qualquer problema.

Funciona assim: o pessimista torce contra. Se torce contra, tenta sabotar o governo para confirmar sua tese. E quem sabota o governo, sabota o povo.

A evolução do discurso de Dilma dá pistas disso. Em 22 de novembro, a presidente afirmou que a concessão dos aeroportos internacionais do Rio e Minas Gerais teve ágio "extraordinário" e que os pessimistas teriam "mais um dia de amargura" com o sucesso do leilão.

Em 29 de dezembro, em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão, fez um balanço das ações de seu governo durante o ano, prometeu um 2014 melhor e, em resposta às manifestações de rua de junho, criticou duramente a "guerra psicológica" sobre os rumos da economia.

Já em 10 de fevereiro, a estratégia ficou mais escancarada.

No aniversário de 34 anos do PT, a presidente afirmou que a "marcha realizadora do povo" surpreenderá aqueles que têm feito previsões catastróficas para o Brasil. "Eles têm a cara de pau de dizer que o ciclo do PT acabou, que nosso modelo se esgotou."

Um dia depois, repetiu o tom em um evento agrícola no Mato Grosso. "Aqueles pessimistas de sempre, eles serão derrotados pela força de nosso povo."

Não por acaso, a cúpula da campanha já repete nas reuniões internas o termo "salto no escuro" para falar do flanco adversário. Por desejo ou descuido, a expressão deverá ser verbalizada em algum momento ou pela candidata ou por aqueles que a cercam. Mais do que o "nós contra eles", essa é uma versão na linha do "pior com eles".

Ainda não se pode dizer que a estratégia do cravar a marca do pessimista no peito do opositor evoluirá para o discurso clássico do medo (como o usado por José Serra contra Lula em 2002, por exemplo). Afinal, apostar nisso é disseminar a insegurança no eleitor para garantir voto. Até porque, uma opção assim sinalizaria um certo sinal de desespero.

Ao menos por ora, Dilma está mais para "o inferno são os outros". Nada impede, porém, a adoção de algo parecido: "o inferno será com os outros".


Endereço da página: