Folha de S. Paulo


O Moleskine do ministro

Enquanto concedia ontem uma coletiva de imprensa no Itamaraty, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, chamou atenção por um detalhe curioso.

Ao contrário do tradicional tablet, quase uma extensão de seu corpo até bem pouco tempo atrás, o chefe da Polícia Federal abriu um nada interativo Moleskine preto antes da entrevista a jornalistas para rechaçar a espionagem contra a presidente da República.

Quem acompanha o titular da pasta explica a mudança de hábito: ele voltou ao velho caderninho por pura precaução.

E se seus dados caírem nas mãos de algum curioso em nuvens ou metadados? Afinal, Dilma Rousseff já não passou incólume pelos olhos secretos dos Estados Unidos.

Diz-se nos alertas de inteligência que um celular pode se transformar em gravador sem que o usuário sequer perceba. E até aparelhos criptografados começam a ser vistos com alguma desconfiança.

"Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém", alerta o ministro toda vez que alguém nota o caderninho na mão.

Depois do tsunami Snowden, muitos já brincam na Esplanada que, logo logo, veremos licitações para a compra máquinas de escrever e lotes de concorrência pública para adquirir picadores de papel.

Se a moda pegasse, as escolas teriam de voltar a ensinar datilografia.

No lugar de telefonemas, mensagens ao portador levadas por alguém de estrita confiança. O voto deixaria de ser eletrônico. Os hackers perderiam o emprego.

As reuniões de governo precisariam transcorrer com um som alto ao fundo nas salas de audiências para evitar vazamentos de voz.

Claro que ninguém deseja voltar no tempo, mesmo que o tempo atual seja inseguro. Até que tudo se decante, a notícia de espionagem presidencial deve provocar mudanças nos costumes do governo. Todo mundo está cabreiro.


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