Folha de S. Paulo


A arte de não decidir

A indecisão é um traço marcante no governo Dilma. Foi assim com a fuga assistida do senador boliviano Roger Molina. Há meses com o assunto pendurado, coube a um diplomata rebelde agir.

Há tempos o Itamaraty recebia comunicados relatando a gravidade do caso. Como não houve resposta, deu no que deu.

O curioso é ver outras áreas da gestão petista à espera de definição.

Com a gasolina tem sido assim. O Executivo vem empurrando com a barriga o reajuste no preço do combustível desde o ano passado. Só que, agora, os desajustes no câmbio tornaram ainda maiores as necessidades de aumento, e em percentuais ainda mais salgados.

Se tivesse autorizado a Petrobras a fazer uma revisão lá atrás do tamanho desejado pela companhia para aliviar seu problema de caixa, não precisaria sofrer arrepios quando a área técnica simula aumentos superiores a dois dígitos para 2013.

Isso sem falar no Congresso, nas indicações para o judiciário, nas decisões corriqueiras de agenda.

Quando um governo não decide, as circunstâncias decidem pelo governo. O ex-ministro Antonio Patriota que o diga.

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A ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, arrumou as malas na semana passada e se despencou para a China.

Além de mudas de roupas e artigos de toucador suficientes para uma semana, levou na visita de governo uma valise com convites de negócios.

Quer que os chineses adotem o plano nacional de concessões de ferrovias. Um filho considerado crucial para ajudar a alavancar o plano de investimentos de Dilma Rousseff em infraestrutura.

Em outras palavras, a Casa Civil quer os trilhos brasileiros falando mandarim.

O governo, quase salivando, diz que, em 2012, a China despejou no mundo US$ 77 bilhões em investimentos, 28,6% a mais que o jorrado no planeta no ano anterior. Dinheiro novo em folha.

Se olharmos os estoques, até aqueles acostumados a contar muitas verdinhas dariam um pulo da cadeira. Em 2000, o estoque total de investimento internacional chinês era de US$ 28 bilhões. A fortuna explodiu em 12 anos e bateu impressionantes US$ 443 bilhões.

A malha ferroviária chinesa faz inveja ao time de Dilma. Lá, são quase cem mil quilômetros de ferrovias em operação.

Gleisi buscará apoio no banco de desenvolvimento chinês, espécie de primo rico do BNDES, só que com US$ 1,2 trilhão em ativos, e parceria com a Corporação de Engenharia Ferroviária, superlativo internacional do ramo. Possui nada menos que 2,2 milhões de funcionários, dados que assombraram a ministra.

Mas foram os venezuelanos, não os brasileiros, quem saíram na frente. A companhia está tocando um projeto de alta velocidade no país herdado pelo bolivariano Nicolás Maduro. Há poucos dias, o governo brasileiro adiou mais uma vez o edital do trem-bala.

Com ou sem chineses, um detalhe doméstico preocupa o Palácio do Planalto. Fala-se no Executivo que o TCU (Tribunal de Contas da União) está encrespando com pontos do edital, o que pode jogar o primeiro leilão para depois de outubro. Até porque, se as concessões de Dilma não vingarem de forma geral, a futura candidata à reeleição perderá um cartão de visita importante para 2014. E o PIB ficará sem esse empurrãozinho no ano que vem.


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