Folha de S. Paulo


Cotas sociais e raciais são um indício de que ventos novos sopram na USP?

Rogério Padula-24.jun.2016/Futura Press/Folhapress
SÃO PAULO,SP,24.06.2016:ROTESTO ESTUDANTES E COLETIVOS NEGROS USP - Estudantes da USP de e coletivos negros da USP, realizam na noite desta sexta-feira (24), ato reivindicando cotas no vestibular FUVEST, em São Paulo (SP). (Foto: Rogério Padula/Futura Press/Folhapress) *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
Estudantes fazem manifestação pela adoção de cotas na USP

Passei o final de semana lendo histórias emocionantes de jovens PPI (pretos, pardos e indígenas) e brancos, cotistas em universidades públicas.

Filhos de porteiros e de empregadas domésticas, de motoristas de ônibus e de manicures, de pedreiros e de faxineiras. Os primeiros universitários de suas famílias. Muitos netos de avós analfabetos.

Jovens que enfrentaram as dificuldades da pobreza e as deficiências da escola pública. E que, graças a uma política pública, tiveram uma oportunidade que lhes permitiu chegar à universidade por esforço e mérito próprios. Não por assistencialismo nem por uma meritocracia insensível que preserva privilégios.

Os receios de que as cotas rebaixariam o nível dos cursos, gerariam evasão ou afetariam a excelência da universidade não se verificaram.

Segundo Naércio Menezes, do Insper e da USP, que estudou o sistema, "a nota dos cotistas no Enem é menor do que a dos não cotistas (senão as cotas não seriam necessárias), mas a diferença é pequena".

No acesso aos cursos de medicina das universidades federais, a nota para os não cotistas foi de 787 pontos e, para os cotistas, 761 pontos, uma diferença de 3%. A maior variação (11%) foi registrada nos cursos de economia. A diferença –que excluiria os cotistas se não houvesse reserva de vagas– pode ser igualada ou superada no decorrer dos cursos.

A Uerj, a primeira a aderir às cotas, em 2003, analisou as notas dos alunos por cinco anos. Os cotistas tiveram, em média, desempenho ligeiramente superior aos não cotistas: 6,41 contra 6,37. Não há diferença significativa entre os dois grupos na evasão escolar.

Finalmente, teremos cotas em todos os cursos da USP, a penúltima universidade a adotar essa exitosa política afirmativa. Em 32 anos de docência da USP, conto nos dedos os alunos PPI que tive nos cursos que ministrei. Minha experiência é a regra, sobretudo nas engenharias, direito, medicina, economia e arquitetura.

As cotas vão apenas atenuar a distorção. Finalizada a transição, em 2021, apenas 18,75% das vagas serão reservadas para os PPI, embora eles sejam 37,5% da população do Estado e 52% do país.

Os brancos pobres, egressos da escola pública, também terão espaço menor do que seu peso na população. A chamada elite branca –que frequenta as escolas privadas– ainda terá a maior fatia, 50% das vagas para apenas 17% dos que se formam no ensino médio.

O sistema de cotas é necessário, mas insuficiente. Melhorar a educação básica, ampliar as vagas na universidade pública e aperfeiçoar as ações afirmativas é essencial para reduzir as desigualdades.

Que a adoção das cotas não seja uma estrela solitária, mas um prenúncio de que ventos novos, de democratização, estão soprando na USP.


Endereço da página:

Links no texto: