Folha de S. Paulo


Os males que a corrupção causa nas cidades

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Marcelo Odebrecht fala sobre dinheiro para Temer, Skaf e Duda Mendonça
Marcelo Odebrecht durante depoimento de sua delação premiada

Os males que o modus operandi das grandes empreiteiras geram nas cidades vão bem além do direcionamento de licitações e superfaturamento de obras, revelados nas delações da Lava Jato. Sem minimizar essas sangrias "diretas", que devem ser identificadas e ressarcidas, o mais grave é o prejuízo estrutural que a nefasta influência do setor exerce sobre os investimentos públicos.

A fragilidade das áreas de planejamento e projeto das prefeituras, debilitadas por incompetência, desonestidade ou pela doutrina neoliberal do Estado mínimo, facilita a ação das empreiteiras, que vêm ditando, há décadas, as obras a serem feitas, submetendo o poder público às opções técnicas que propõem.

Os pornográficos depoimentos dos barões e executivos das empreiteiras mostram um verdadeiro aprisionamento do público pelo privado que, ardilosamente, seduz governantes para influir nas decisões. Essa inversão de papéis, que contaminou gestões de quase todos os partidos, gera obras desnecessárias, caras e desarticuladas de um planejamento urbano a longo prazo.

A opção por grandes projetos viários decorre dessa lógica. Em São Paulo, de tempos em tempos, o setor "doa", para usar o termo da moda, um programa para enfrentar o insolúvel trânsito na cidade. Nos anos 1980, um "pacote" com vários túneis de elevado custo foi aceito e iniciado por Jânio Quadros, paralisado por Erundina e concluído por Maluf. A dívida gerada pela "brincadeira" alcançou, em 2016, R$ 72 bilhões, equivalente a dois anos de receita municipal.

Com as finanças arruinadas, São Paulo continuou incidindo no erro (e no crime). Embora o Plano Diretor de 2002 determinasse prioridade para o transporte coletivo, em 2008, uma entidade ligada às empreiteiras ofereceu aos candidatos a prefeito um plano de obras chamado "São Paulo por um trânsito melhor", contemplando 54 viadutos, 18 pontes, 44 novas avenidas, 26 alargamentos ou duplicações, 36 passagens subterrâneas e 13 túneis. Tempos de vacas gordas...

Algumas delas foram implementadas por Serra e Kassab. Em 2009, impuseram uma obra de R$ 1,3 bilhão para alargar a marginal Tietê, removendo milhares de árvores e sem prever nem sequer uma faixa exclusiva para ônibus.

Em seguida, um túnel de 2,3 km na av. Roberto Marinho, orçado em R$ 2,2 bilhões, foi licitado e contratado por Kassab. Haddad, embora pressionado a fazer o túnel, cancelou a ordem de serviço, marcando uma mudança de paradigma na política de mobilidade da cidade.

Quem sabe possamos emergir dessa crise com um processo de decisão mais participativo, no qual só se façam obras necessárias e articuladas a metas estratégicas para tornar as cidades mais justas.


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