Folha de S. Paulo


Tinha que me anular como mulher para ser respeitada, diz Tatá Werneck

"Gente, desculpa! A coisa que eu tenho mais TOC na vida é cheiro", diz Tatá Werneck enquanto espirra um aromatizador de ambientes na sala. "A minha casa era muito cheirosa, mas depois que eu adotei o Nino e a Penélope [dois de seus seis cachorros], eles ficam disputando território com os outros. Aí um chega e faz xixi, o outro chega e faz xixi, aí Rafa [Rafael Vitti, namorado da atriz] vê e faz xixi, aí eu faço e todo mundo fica fazendo xixi", diz, assim que desce as escadas de seu quarto.

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"Tá foda! Tive que trocar o sofá", diz. Ela conta que a época de briga por território está perto do fim. A atriz, que mora com o namorado, 13 gatos que pegou na rua e seis cachorros resgatados de abrigos, vai se mudar para uma casa maior.

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"Amo minha casa, tenho o maior carinho. Foi minha primeira casa, mas eu também quero ter mais animais. O maior motivo de me mudar foi para ter uma área externa maior para eu poder pegar mais bichos de rua", fala. Tatá conta que já quer adotar mais um cachorro, que é tetraplégico. "E Rafa também está de olho em outro, que ficou cego por maus tratos", conta.

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Diz que sempre gostou de animais e pessoas mais velhas. "Quando era criança, ligava me oferecendo para fazer trabalhos voluntários em asilos. Até que um para senhoras cegas me aceitou", conta. Para ela, é muito importante atrelar sua visibilidade a uma causa social. "Acho uma burrice, um desrespeito, você poder ajudar e não fazer nada."

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"A primeira coisa que eu fiz [quando começou a ficar conhecida] foi comprar um espaço para fazer um abrigo para animais abandonados. Tentei começar, mas era uma burocracia tão grande que percebi que era mais fácil eu ajudar os abrigos e fundações que já ajudo", diz.

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Ela interrompe a entrevista e pede para Otto, o empregado da casa, servir um café. O fotógrafo se atrapalha para abrir a garrafa térmica e pergunta se tem algum segredo. "Tem! Bate palma", diz. Era só girar a rosca, mas ela também não sabia. A atriz pede para Otto comprar pão francês, pão integral e queijo branco. "Desculpa, gente, mas com a mudança [de casa] está tudo muito corrido e não consegui comprar um lanchinho para vocês."

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Tatá conta que, no início de sua carreira, seu sonho era poder sobreviver, sustentar uma família e ter muito espaço. "Para que eu não precisasse deixar um bicho na rua por falta de lugar." Foi esse jeito de querer sempre ajudar, aliás, que a fez se identificar com Rafael. "Porque ele é assim também. Você tem que conhecê-lo. Vê-lo de sunga", diz ela para a repórter Bruna Narcizo. "O dia que me apaixonei foi quando ele disse: 'Penso sempre no coletivo'."

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Segundo ela, seu primeiro dilema foi entender que podia ser uma boa atriz e ganhar dinheiro com isso. "Quando entrei para a MTV recebia R$ 2.500. Me dava um sentimento de culpa pelos meus amigos que ainda não tinham conseguido um salário", diz. Por isso, doava boa parte do que ganhava para ajudar causas, igrejas, associações. "Vivia no negativo, mas era muito feliz."

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"Já fiz muito papel absorvente em shopping [em ações publicitárias] e mosquito da dengue em ônibus [em ações de prevenção], o que é digno e maravilhoso, e foi muito importante para mim. Mas a conquista que mais me traz paz é não precisar fazer trabalhos pensando no dinheiro."

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Hoje, Tatá ajuda financeiramente seus pais e outros membros de sua família. "Quando vejo algo que quero, penso se o valor daquilo vai fazer diferença para o meu pai, minha mãe ou minha tia. Se a resposta for sim, não compro", diz. "Cara, eu preciso garantir o futuro do meu pai e da minha mãe, que trabalham com projetos sociais. Eu ainda sinto uma culpa de pensar que minha realidade é muito diferente da maioria dos brasileiros."

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Segundo ela, foi com a família que aprendeu a importância de se colocar no lugar do outro. "Eu cresci sendo questionada e aprendendo a questionar", diz. Seus pais se dedicam à defesa dos direitos das pessoas com deficiência. "A minha casa na infância era totalmente adaptada, mesmo não tendo ninguém deficiente na família."

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Quando estudava teatro, Tatá percebeu que não existiam peças acessíveis. "Então, criamos [ela e a mãe] um grupo chamado Os Inclusos e os Sisos. As peças eram gratuitas, tinham intérprete de libras, material em braile, audiodescrição."

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Em uma das apresentações do grupo, Tatá interpretou um portador de síndrome de down. "No dia seguinte, a crítica da peça dizia: 'a personagem com síndrome de down interpretada por Talita Werneck, que também tem síndrome de down'."

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Ela despontou em 2010 junto com o sucesso do estilo stand up comedy e das batalhas de improviso. "Era a única mulher no meio de um bando de homem. No começo queriam me dar uma sainha, blusinha e eu colocava uma calça e camisa larga e dizia: 'Vocês vão me respeitar como mais uma integrante do grupo'. Eu sentia que tinha quase que me anular como mulher para ser respeitada como integrante em um campeonato de improviso."

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"Hoje vejo que poderia estar de sainha, de blusinha, de biquíni, como eu quisesse e isso não ia desmerecer meu trabalho no meio daqueles caras. Mas era a maneira que eu tinha de dizer: 'Galera, olha aqui para o meu trabalho'." Ela lembra que, quando começou a adotar uma postura mais feminina, foi "zoada" por todos os comediantes. "Parecia que eu tava traindo o movimento da comédia. Mas eu também posso querer me arrumar."

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Diz que sempre se achou bonita. "Não tô querendo, pelo amor de Deus, passar pela arrogância, mas eu sempre peguei os caras mais gatos da faculdade, da escola. Sempre tive esse jeito e fiz campanha de cabelo, de joia e fui capa de revista."

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Tatá também afirma que não se preocupa com homens que se assustam com essa postura mais determinada. "Estou cagando para eles. Não vou ser menos contestadora, menos independente, menos forte porque os homens não aguentam. Preciso de um homem mais forte ainda."

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"Eles têm medo de uma mulher que ganha mais, que não é carente. Aí, chega um cara de 22 anos sem medo de nada [Rafael, que tem 12 anos a menos do que ela]. Eu não sei qual é o medo dos homens. Não estou preocupada com eles. De verdade! E nem brigando."

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Otto volta com as compras. Tatá come um sanduíche de pão de forma com ovos mexidos. "Congela!", pede ela no meio da entrevista. "Vou buscar uma coisa que comprei". Volta pouco tempo depois e diz, enquanto passa a pasta que trouxe no pão: "Tem que provar! É alcachofra com trufas, comprei lá na Itália".

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Tatá já engordou seis quilos e pretende engordar mais dois para viver a personagem Lucrécia na novela "Deus Salve o Rei", que estreia em janeiro na faixa das 19h da Globo. "Tô achando bom. Tô comendo para cacete."

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Tatá fala rápido, emenda um assunto no outro e tem sempre uma tirada na ponta da língua. "Acordo de bom humor. São poucas as situações em que eu fico mal humorada. Em aeroporto eu realmente fico, tenho medo de avião", diz. E esse é o local onde ela geralmente nega selfie para fãs. "Me dá um medo de falarem assim: 'É a última foto dela'. Fico imaginando uma matéria caso caia o avião."


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