Folha de S. Paulo


'Faço o gay, o hétero e o padre rirem', diz Tom Cavalcante, agora no cinema

Zanone Fraissat/Folhapress
Retrato do ator Tom Cavalcante em seu apartamento no bairro de Higienópolis
Retrato do ator Tom Cavalcante em seu apartamento no bairro de Higienópolis, em São Paulo

"Vou dar toda a minha beleza. Charme total!", brinca Tom Cavalcante enquanto posa para as fotos que ilustram esta coluna, no seu apartamento em Higienópolis.

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"Posso fingir que estou caindo. Ia ficar legal", sugere o humorista, que simula despencar do sofá. "Quer de perfil? Vai pegar só o meu nariz."

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Seu cabelo está tingido. "Pintei para o filme. A associação dos loiros acaba de me dar o título de humorista mais loiro do Brasil", caçoa.

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Com 25 anos de carreira na TV desde a sua primeira aparição como João Canabrava na "Escolinha do Professor Raimundo", da Globo, em 1992, o comediante estreia como ator de cinema na quinta (30), com a comédia "Os Parças".

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O filme conta a história de um grupo que cria uma agência de fachada para organizar o casamento da filha do "rei" da rua 25 de Março. No elenco também estão o youtuber Whindersson Nunes, o humorista Tirullipa e os atores Oscar Magrini, Bruno de Luca e Carlos Alberto de Nóbrega.

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"Tem um pouco do pastelão e do mais formal. Acho que a gente fez um humor bem brasileiro", diz Tom sobre o longa, que tem direção de Halder Gomes e roteiro de Cláudio Torres e foi realizado pela Formata, produtora que tem entre os sócios a esposa de Tom, Patrícia Cavalcante.

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Fora da TV aberta desde 2011, ele hoje tem contrato com o Multishow e prepara uma 'sitcom' para o canal. "Ontem fiquei até as 4h escrevendo [o roteiro]", conta ao repórter Bruno B. Soraggi.

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Com 55 anos de idade, Tom Cavalcante diz que há "humor para todo mundo". "Não sou daqueles que querem cercear", afirma. "Acho que vale muito da vida de cada um. Quando a pessoa não conhece a essência do sofrimento, do lamento, solta uma [piada] mais pesada e depois não sabe de onde vêm as porradas", complementa.

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Ele lembra do pai. "No começo da minha carreira, quando eu soltava algum palavrão gratuito, ele dizia: 'Pra que isso? Não precisa, você tem graça'. Vai da educação também, cada um tem uma."

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Tom afirma sempre ter tido "cuidado" ao fazer brincadeiras. E emenda: está mais "atento" ao que pode ou não virar piada em 2017.

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Tanto que, já se "blindando" antes de imitar um pastor evangélico em seu show "Stomdup", veicula uma gravação "em tom de brincadeira" dizendo que aquele quadro é "ficção" e pedindo que os espectadores não se ofendam "pelo amor de Deus".

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"Depois que a internet chegou houve essa revolução no mundo que a gente não sabe onde vai se acomodar. Essas camadas de insatisfação, de rebeldia, de troca de insultos, de polarização... A gente está vivendo um reality show ao vivo. Estamos começando a ver quais são os parâmetros", conta. "Tento entender onde as coisas estão acomodadas."

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Tom cita uma matéria que leu recentemente sobre Nelson Rodrigues. "Ele hoje estaria sem lugar. Era um cara que falava de tudo de uma forma muito explícita: do corno, da puta, do 'viado'. Falava porque era uma ficção. Mas até o que é ficção hoje pode ser confundido. Se você é brincalhão, tem que se policiar de certa forma."

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"Hoje eu não sei como vou abordar o Pit Bicha [um de seus personagens mais conhecidos]. Ele era muito bem quisto, nunca tive problema, mas com a revolução sobre gêneros tem que ver quais são as novas correntes e pensamentos, como as pessoas veem isso. Tem que ir de leve."

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Ainda assim, diz recentemente ter sido tietado por homossexuais no shopping Frei Caneca, bastante frequentado pelo público LGBT.

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Sobre "Sai de Baixo", em que interpretou o porteiro Ribamar, acha que hoje algumas coisas seriam tiradas.

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"Mas isso também vai muito de um país que está começando a se conhecer, a se entrelaçar, através das próprias redes sociais. Um lugar que é feito de muita injustiça. Às vezes têm brincadeiras que não são bem vistas", diz.

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"Há uma tensão no ar. As pessoas estão cansadas, lutando para uma coisa que o país não está devolvendo de forma positiva", afirma. "Em pleno século 21 estamos vivendo essa coisa primitiva de roubo na política."

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Em 2014, Tom gravou um vídeo de apoio ao então candidato à Presidência Aécio Neves (PSDB). Hoje, diz estar arrependido. "Foi uma facada pelas costas de 52 milhões de brasileiros", diz. O tucano foi citado em delação da JBS.

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Ele também votou em Lula. "Acho que ele está mais arrependido do que eu", brinca. Sobre o governo Dilma, diz que o país estava "administrativamente sem rumo", mas que não foi às ruas pedir a saída da presidente e classifica o impeachment como "um golpe entre eles [políticos]".

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Sobre 2018, diz que "pela primeira vez" pensa em votar em branco". "Mas também não vou estar ajudando. Estaria sendo um reativo, um zangadinho. Não é isso. Tem que aparecer uma figura bacana."

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Candidatar-se, "só se for para presidente do Ceará", brinca, referindo-se ao seu time do coração, que acaba de subir para a Série A do Campeonato Brasileiro e no qual ele jogou quando jovem.

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No ano que vem, Tom quer estar no YouTube. "Tenho umas ideias para pegar [o espectador] pequeno e o velho", diz o pai da youtuber Maria, 17, sua filha com Patrícia, com quem está há 20 anos. Ele tem mais dois filhos de outro casamento: Ivens, 32, e Ivete, 29.

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Patrícia é filha de Suzana, que trabalha com o cantor Roberto Carlos, de quem Tom é amigo e já ganhou um Corvette. "Recentemente ele veio aqui e ficamos até as 6h tomando vinho, contando piadas. Ele é bom de piada, cara."

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Lembrando de uma brincadeira entre os dois, Tom imita a voz do "rei". "Bicho, estou pensando em levar sua sogra para morar no Rio", diz, e volta a ser Tom: "Faça isso que você me dá um presente!".

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"Sou velho conhecido do brasileiro. É interessante conseguir construir uma carreira consistente, né? Agora quero fazer filme e tem uma pá de ideias na minha cabeça."

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"Não faço humor para entrar num questionamento mais pessoal de ninguém. Faço o gay rir, o hétero rir, o padre rir ", diz. "Consegui e consigo até hoje fazer isso."

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"Eu vivo em paz comigo mesmo, e queria que as pessoas também vivessem em paz e tivessem tolerância umas com as outras. Me dou bem com todas as tribos. Sempre fui assim", afirma. "A gente tem que separar o joio do trigo: quem é humorista e quem recebeu a nomenclatura de humorista porque fez gracinha. É muito diferente. É uma distância grande."


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