Folha de S. Paulo


'Aconteceu', diz Fernanda Gentil sobre primeira paixão por outra mulher

Fernanda Gentil estaciona o carro na frente de seu prédio e começa a organizá-lo. Tira um brinquedo, um saco de recolher cocô de cachorro e a cadeirinha de bebê. Joga tudo no porta-malas. "A pessoa tem duas crianças e um cachorro. Sai de tudo daqui."

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Acelera seu Suzuki S-Cross e lista para o repórter Joelmir Tavares as tarefas feitas naquela manhã: deixou na creche Gabriel, de um ano e meio, levou Lucas, de nove, para a natação, foi à nutricionista e fez drenagem linfática. Sentada no carro, do lado de fora do condomínio onde mora, na Barra da Tijuca, se maquia antes de posar para a coluna.

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Apresentadora esportiva da Globo que ganhou popularidade em coberturas como a da Copa das Confederações em 2013 e a da Copa do Mundo de 2014, Fernanda, 30, tem hoje um público que a acompanha pelas redes sociais e consome notícias de sua vida íntima —desde o nascimento do filho mais novo até a separação do marido e o anúncio do namoro com uma mulher.

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"Não mudei nem vou mudar meus hábitos com a fama. Não parei de ouvir meus pagodes, tomar meus chopes, sair de rasteira", diz ela, de sandália baixa, calça jeans e blusa de malha, já dentro de um shopping, enquanto procura um restaurante para almoçar. Em algumas horas precisa pegar um voo para gravar em Belo Horizonte uma reportagem do "Esporte Espetacular", dominical que apresenta desde setembro.

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De família de classe média, Fernanda tomou gosto pelo esporte na infância. Praticou natação, judô, basquete, vôlei, tênis. Desde sempre extrovertida, decidiu que iria trabalhar com o assunto. Foi estudar comunicação na PUC e, emendando estágios e empregos, acabou aos 22 anos diante do médico, com duas úlceras. "Ele me falou: se você não parar, não chega aos 24."

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Foi na mesma época em que Lucas chegou à vida da jornalista. Ele é filho de um tio e de uma amiga dela que morreu de câncer quando o menino tinha um ano. "Ele ficou comigo durante a doença da mãe. Quando ela morreu, na hora já olhei no olhinho dele e falei: é meu. Deus faz tudo certinho. O Lucas chegou num momento em que eu precisava parar, me cuidar."

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O segundo filho, Gabriel, é do casamento com o empresário Matheus Braga, de quem se separou em abril do ano passado, quando o bebê tinha sete meses. Entre idas e vindas no relacionamento, foram 15 anos. O fim da união, acompanhado por sites e revistas de fofoca, foi explicado por ela pelo fato de que já não eram mais felizes juntos.

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É para Matheus, seu amigo ainda hoje, que Fernanda liga ao sair do almoço. Gabriel está passando mal na creche, e a mãe pede para o ex-marido buscá-lo. Os dois são próximos também por causa da ONG que fundaram, a Caslu (com as sílabas do nome do filho mais velho invertidas). Os voluntários apoiam entidades que cuidam de crianças. "A minha visibilidade ajuda, graças a Deus. É o lado bom da fama", diz ela, que não passa pelo shopping sem receber um pedido de selfie.

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Com uma ascensão que a levou a saltar de repórter, em 2011, à condição de um dos principais nomes do esporte da Globo, seria Fernanda o exemplo de alguém que teve sorte? "Sorte no melhor dos casos, né, amor? Já ouvi cada coisa... [risos] Acho que é sorte de estar no lugar certo, na hora certa, com pessoas que acreditam em você. E é um pouco de talento e da mudança no jornalismo, com linguagem mais informal, natural."

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Poder ser ela mesma é um alívio, afirma. "Não tem mais aquilo de apresentador engessado. Essa postura mais humana aproxima. Por isso estava cheio de gente nas minhas entradas [ao vivo nas competições], porque eu vou, abraço, é sovaco molhado no ombro, é isso aí", diverte-se.

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Diz que já chegou à TV numa época em que, por exemplo, ela revelar que é flamenguista não é problema. "Sou profissional. Não mudo o tom de voz ao falar do meu time." Nem precisou, afirma, elevar o tom para se firmar. "[O meio] é masculino, não machista. Nunca enfrentei preconceito."

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"Meus filhos têm a mãe que trabalha num ambiente masculino, bem colocada. É um exemplo de que ser mulher não é menos do que nada nem ninguém." Em casa, diz ser "sem neurose", do tipo que deixa os dois comerem batata frita e McDonald's. "Só sou rigorosa quando encosta em princípios e valores. Para moldar caráter, não meço esforços nem pego leve."

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No carro a caminho do aeroporto, bota um CD do cantor Thiaguinho com pagodes dos anos 1990. Ao ligar o veículo, sempre faz o sinal da cruz e pega no terço pendurado no retrovisor. Pelo celular, combina de jantar com os sogros em BH. A família de Priscila Montandon, 34, é mineira, mas a jornalista mora e trabalha em Porto Alegre (RS).

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"Aconteceu", diz Fernanda sobre se apaixonar por outra mulher, segundo ela, pela primeira vez. "É uma coisa que descobri e ainda estou descobrindo. Fiquei literalmente batendo a cabeça na parede do quarto tentando entender o que estava acontecendo." Os pais se assustaram no início. "Tem que ter compreensão, são de outra geração. Depois ficou tudo certo." Os filhos lidaram bem e integraram Priscila à família.

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A apresentadora deixou para anunciar o namoro só depois da Olimpíada, em setembro. "Imagina no meio um negócio desse. Ia me desconcentrar. Aí avisei em casa: vamos segurar dois dias de onda. E todo mundo sabe nadar, tudo certo." Também comunicou a empresa. "Liguei na assessoria da Globo: 'Tenho uma bomba. Tá sentada? Tô namorando uma mulher'. Avisaram a direção para se preparar. Aí tudo Ok, hashtag 'somos todos modernos'."

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As jornalistas agora fazem planos de morar perto, mas não juntas ainda. Priscila está de mudança para o Rio. "Tô bem resolvida, minha família tá comigo. O pouco que me manifesto sobre isso é para mandar recado para um fulano de tal lá do interior que gosta de um amigo. Para dizer que não há nada de errado, que tô aqui, sobrevivi." Em fevereiro uma resposta dela no Twitter viralizou —um seguidor enviou uma mensagem com a palavra "sapatão"; ela retrucou, direta: "Oi, fala!".

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Na seleção, Fernanda é fã do técnico Tite e de Neymar. "Não acho ruim [depender do jogador]. Se a gente tem um ET no time, vamos usar isso a nosso favor", diz ela, que saiu de 2014 com o apelido de musa da Copa. "O que entra no currículo é o trabalho, fiquei orgulhosa. Mas o título é bem recebido. Óbvio, ninguém que ser 'a baranga da Copa'."

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Também admira o piloto Ayrton Senna, que "propagou os valores do esporte". Mas não aplaude a contratação do goleiro Bruno pelo Boa, clube de Varginha (MG). "Acho que ele tem que quitar a dívida dele com a Justiça [condenado a 22 anos de prisão por participar do assassinato de Eliza Samudio, ele aguarda em liberdade o julgamento de um recurso]. Se fosse meu clube, eu não contrataria."


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