Folha de S. Paulo


'Rei do camarote' na Sapucaí zela pela diversão de famosos e guarda segredos

O Carnaval carioca começou faz meses no silêncio de um casarão no Jardim Europa, zona nobre de São Paulo, com Porsches e outros carros de luxo estacionados no jardim. É lá que um homem careca, com uma voz de trovão que dificilmente dá trégua, comanda o principal camarote da Marquês de Sapucaí.

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"Acordo às sete da manhã para pensar no Carnaval. Tenho paixão. É uma relação que começou 26 anos atrás", diz José Victor Oliva, 62, enquanto acende um charuto com um lança-chamas. O festeiro profissional criou o Camarote Brahma na virada dos anos 1990 e neste ano chefia pela primeira vez o espaço VIP sem apoio integral de uma cerveja, agora chamado de Camarote Número 01.

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A empreitada nasceu no Carnaval passado, quando Oliva soube que a Ambev havia desistido de bancar o espaço VIP. "Já era para ter terminado há dois anos. Eles decidiram investir em Carnaval de rua. Peguei para fazer eu mesmo. É fixação. Passou da coisa financeira. Tinha vergonha de parar", diz ao repórter Chico Felitti. "Eu quero porque eu acredito nisso."

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Os laços com a empresa ainda existem. Oliva ganha de cervejaria 10% da verba de 2016. O resto da planilha se completa com outros patrocínios e a venda de camarotes —cada um custa mais de R$ 100 mil. "Já vendi tudo. E no ano que vem vamos fazer mais ainda."

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E pela primeira vez pessoas físicas poderão pagar para entrar: 30% dos convidados poderão comprar convite, por valores que vão de R$ 1.200 a R$ 4.000 por pessoa. A festa será "open bar", com destilado e fermentado. Antes, só se servia cerveja.

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Acobertar o que acontece dentro de um ambiente cheio de álcool, celebridades e imprensa faz parte do ofício? "O que a imprensa pega, pegou. Não tem como controlar. O resto eu não vou contar." E fatos não faltam. "Puta que o pariu! Todo dia acontece: o cara que cheirou, o cara que a mulher vem buscar na porta, quem passa mal." Oliva é discreto —"Dono de boate fofoqueiro não dura", diz ele, que fundou a boate Gallery, que na década de 1980 era frequentada por Pelé e Cazuza.

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Quase não dá nomes aos bois. Quase: "Teve um Carnaval em que o Galvão Bueno bebeu tanto, mas tanto, que tive que ir pra ambulância com ele. Daí me chega uma padiola com outro bêbado, o [diretor] Jayme Monjardim." Diz que deixou o trabalho para ir ao hospital. "Fodeu meu Carnaval." A coluna procurou Monjardim e Bueno, que preferiram não comentar.

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Neste ano ele afirma não ter verba para pagar por presença de famosos. "Ninguém vai usar ninguém, não tem uma marca na camiseta. Dou a melhor comida, a melhor bebida, uma música do caralho." Recebeu um descontão no valor do show de Anitta, por exemplo. "Não sei quanto foi. Parece que tem um cachê pequeno", desconversa.

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Ele diz que as relações ali são mais de diversão do que comerciais. "Criou-se uma lenda que pagávamos para os artistas virem, não dávamos dinheiro para quase ninguém." Arnold Schwarzenegger, diz ele, veio e não cobrou um tostão. Já Jean-Claude Van Damme o procurou e pediu passagens e hospedagem para visitar o camarote. Oliva diz que não foi atendido.

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Outros, entretanto, foram bem pagos para testar o samba no pé. Madonna, que pulou o Carnaval 2010 na Sapucaí em troca de uma doação de um milhão de dólares a um projeto benemerente, podia ser a rainha da bateria. "Ela sentou no chão, usou camiseta. Era pra ter ficado duas horas, ficou quatro, cinco." Outra que deixou boas lembranças pelo chão onde desfilou foi Jennifer Lopez : "Uma pessoa do caralho. Linda".

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Um ou outro artista que veio por cachê não seria bem-vindo em outras festas dele. "Aquela Megan Fox é uma antipática, parece uma lombriga. Ficou lá parada, não fez porra nenhuma."

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Também nasceram no samba anedotas políticas. Em 1994, a modelo Lilian Ramos foi fotografada ao lado do então presidente Itamar Franco. Mirada de um ângulo mais baixo, via-se que ela não usava roupa de baixo. Em um flash, ficou famosa.

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O episódio se passou num espaço VIP contíguo ao seu, mas tinha seu dedo, ele garante. "Eu conheci a Lilian num ponto de ônibus aqui em São Paulo, confundi ela com a Fafá de Belém e a levei até a 'Playboy'. Ela posou e, dois meses depois, estava no camarote com o presidente."

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Dois dias após a Quarta de Cinzas daquele ano, ele afirma ter recebido um telefonema, pedindo os contatos de Ramos. "Acabei descobrindo que era um ajudante de ordem do Itamar." Itamar morreu em 2011.

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Mas nem só de anedotas vive a veia política do festeiro. Despachado na internet tanto quanto pessoalmente, já usou suas redes sociais para chamar Dilma Rousseff de "imbecil patológica" e "anta". Também usou "imbecil patológico", acrescido de "bêbado" e "ignorante", para falar do ex-presidente Lula.

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"Votei no Lula duas vezes e uma na Dilma. Tinha uma esperança imensa no PT. Imensa. Quando comecei a ver todas as coisas que aconteciam, pensei 'Como me enganei tanto?'." A metralhadora verbal não se limita à esquerda, entretanto. "A verdade é que a esquerda brasileira não sabe produzir e a direita não sabe dividir."

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Por mais que torça por Michel Temer, ele faz ressalvas ao presidente. "Para mim, ele fez uma puta equipe econômica, mas ao mesmo tempo pôs um lixo de gente do lado dele. Para mim, já deu. Não ele, ele é um cara do bem, mas já deu."

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A maneira que encontrou de demonstrar seu descontentamento foi desfilando em manifestações políticas na avenida Paulista. "Vou em todas." Já pediu para a secretária bloquear na agenda o dia 26 de março, quando irá à caminhada contra o foro privilegiado de políticos e a tentativa de abafar a operação Lava Jato. "Eu sou absolutamente contra a corrupção."

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Mas, antes da política, ele tem outro desfile com que se preocupar. Para o festeiro, a festa de Momo é menosprezada pelo brasileiro. "É como ser o marido da Sabrina Sato [que é madrinha do novo camarote]. Vai ter um dia que você vai chegar em casa e achar aquela mulher extraordinária algo comum. Não é, é a coisa mais extraordinária do mundo!". E, baforando do charuto, ele elogia a festa: "A parada da Disney é um cu perto disso. A parada da Macy's, em Nova York, parece coisa de escolinha".


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