Folha de S. Paulo


Não saí da Globo para fazer novela na Record, diz o diretor Wolf Maya

Wolf Maya passa por Paolla Oliveira, Henri Castelli, Nanda Costa, Marjorie Estiano e Malvino Salvador ao entrar em sua escola de teatro em São Paulo. Não os próprios atores, mas fotos deles que estão na parede, lembrando que um dia estudaram ali. O ator e diretor caminha rápido para o teatro do local, dias antes de estrear a peça "33 Variações", em que cuida da direção e contracena com Nathalia Timberg. Os retratos dos rostos famosos que ajudou a lançar na televisão ficam para trás.

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Após 35 anos na TV Globo, Wolf, 63, deixou há algumas semanas a equipe fixa de diretores da empresa. Mas fechou um convênio com a emissora para a escola com seu nome, que tem unidades em SP e no Rio, treinar atores para as produções do canal.

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"Não dirigir é uma decisão minha", diz ele ao repórter Joelmir Tavares, empenhado em afastar rumores de que a saída foi problemática ou motivada por brigas. "Fiz 32 novelas em 30 anos. Mal acabava uma, eu começava outra. Falei: olha, eu vou puxar o freio de mão. Quero ficar mais livre e vincular meu trabalho atual [a escola] à TV Globo. Saí do departamento de novelas para criar um departamento de formação."

Ele senta na plateia vazia antes do ensaio. "Você acredita que há 15 anos eu tenho esse teatro e nunca pisei nesse palco [para interpretar]?" Wolf diz que se percebeu "cuidando muito pouco" de tudo que tem hoje. Além das escolas —ambas dentro de shoppings, com teatros que servem aos 1.500 alunos e a espetáculos de fora (o paulistano se chama Nair Bello e o carioca, aberto neste ano, foi batizado em homenagem à amiga Nathalia)—, ele é sócio de dois bares e cedeu a mansão onde morava no Rio para a filha transformar em casa de festas.

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"Inventam atritos. É a coisa que mais me incomoda. [O autor] Walcyr [Carrasco] é um brother, amigo. Acabei de falar com ele. Inventaram atrito com a Gloria [Perez], que é minha irmã", diz o diretor, com a voz abafada pelo barulho da furadeira que um técnico usa para ajeitar o cenário. Para Wolf, "a televisão adora supervalorizar o poder e o temperamento do diretor. Quando tem um personagem que é diretor, é sempre o louco, o histérico, o brigão".

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Nathalia, 87, surge na porta do camarim para dar uma olhada no palco. "Cuidado com essa descida aí que isso tá perigoso", ele avisa. "Eu tô muito cuidadosa", a atriz responde, firme, enquanto desce olhando para os degraus e sem apoiar as mãos. "É lindo", comenta Wolf. "Faço para ela como se fosse para minha mãe. Ela é madrinha da minha filha mais velha, me acompanha desde que eu tinha 24 anos e fui filho dela numa peça. Cuido dela, troquei ela de casa agora, tá morando num apartamento lindo na Barra da Tijuca."

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O bairro é o mesmo onde o goiano criado no Rio vive e onde se localiza a filial carioca de sua escola, com o teatro anexo. Durante a temporada em SP, onde segue em cartaz até dezembro, Wolf fica na casa que mantém há anos no Pacaembu.

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"Louco" pela cidade, quer produzir uma série sobre a Barra Funda, com roteiro que ele já escreveu. "Pode ser para canal a cabo ou até para a Globo", diz ele, que fechou com a emissora um acordo de exclusividade em TV aberta e pode voltar a trabalhar lá, mas assinando contrato por obra. "Eu acho que novela requer até certa juventude física. Não é que tô perdendo [vigor], mas tô com preguiça de dedicar mais um ano inteiro para uma novela." Está decidido a não fazer nenhuma por pelo menos dois anos. A mais recente como diretor foi "I Love Paraisópolis", em 2015. Ele também atuou em várias.

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"A Record nunca me chamou e não está nos meus planos. Não saí da Globo para fazer novela em outra emissora. Torço para que a Record evolua, porque o processo de televisão é qualidade, não é audiência. Audiência não pode ser construída em cima de programa safado, medíocre."

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Diz admirar na Globo a "lucidez" de equilibrar a busca por público e qualidade. "É muito importante que exista 'Velho Chico'", afirma, citando a novela das nove, que teve as médias instáveis do início atribuídas à ousadia estética.

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"Fazer no teatro '33 Variações' também é uma atitude de resistência", diz. O espetáculo "um pouquinho sofisticado" sobre o compositor Beethoven estreou em janeiro no Rio, no Teatro Nathalia Timberg. Wolf lembra que depois entrou em cartaz no espaço um show semanal com humoristas de stand up. "E foi um sucesso. Mais até do que a Nathalia", ele sussurra.

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"O público, principalmente o da Barra, que é um público ascendente, tá mais ligado nisso [humor] do que em Beethoven. Mas você acha que vou deixar de fazer Beethoven por isso? Fiz uma tradução clara, para que a pessoa assista e fale: 'Nunca ouvi Beethoven, mas isso é lindo. Quem é essa mulher que toca na peça? Nunca ouvi falar na Clara Sverner. Olha! É a maior pianista clássica do Brasil'."

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Para ele, a situação está relacionada à "ascensão financeira sem ascensão cultural que é resultado do sucesso do Plano Real. Se o processo exige da pessoa cultura e informação, ela não está preparada. Então o gosto continua sendo aquele mais arcaico".

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Sua filosofia de trabalho envolve, muitas vezes, a satisfação pessoal. "No teatro, se você conseguir não perder dinheiro, já valeu." A peça atual, por exemplo, não tem patrocínio. A contabilidade dos dois teatros só fecha porque ele formulou uma "química de sobrevivência" em que os custos são pagos por suas escolas (com mensalidade de R$ 900).

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"Para os alunos é maravilhoso ter um teatro profissional para treinarem. E aqui eles fazem Brecht, Dostoiévski, Nelson Rodrigues. A base da interpretação é o palco. E a partir daí preparo o ator para qualquer forma de comunicação", diz ele, que acredita ter vencido o preconceito de alguns artistas com a escola, que oferece formação direcionada para o audiovisual.

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"É impossível ser um ator de 2016 e não conhecer set, câmera, estúdio. As pessoas que são puristas é porque não tiveram oportunidade de praticar cinema nem TV. É um pouco de recalque."


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