Folha de S. Paulo


'Bandido sempre diz que não é bandido', diz ator Fulvio Stefanini sobre impeachment

Fulvio Stefanini abre a porta de seu apartamento para receber Léo: é dia de levar o filho para o expediente. Os dois tomam café antes de partirem juntos de táxi do Campo Belo (zona sul de SP) em direção ao Masp. Vão ensaiar a peça "O Pai", que estreia no teatro do museu neste fim de semana. Léo é o diretor. Fulvio, o protagonista.

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"É a história da relação de um pai com uma filha. Mas não é uma relação normal", diz o ator de 76 anos ao repórter Joelmir Tavares. "A peça se comunica com a plateia fortemente porque há uma identificação com o problema que acontece no palco."

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"É um velho que tá ficando meio gagá", explica Léo, 42. "Todo mundo conhece ou tem na família alguém parecido, um tio, um avô, um pai." Pessoas que viram o ensaio, conta, dizem que não gostariam nem de estar no lugar da filha, que precisa cuidar do idoso, nem no do pai, que dá trabalho. "É cruel, mas é divertido. Tem muitas boas piadas. E ele vai tirar risada da plateia o tempo inteiro", diz, apontando o pai.

É a segunda peça seguida em que os dois trabalham juntos. A anterior foi "Não Sou Bistrô", que ainda tinha no elenco o irmão de Léo, o ator Fulvio Stefanini Filho, 45. "Quando eu contracenava com o Fulvinho, eu não via meu filho. Via o profissional", diz o veterano, já sentado no banco da frente do táxi. "É uma visão profissional da coisa. É melhor que seja assim."

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"Eu tô sobrevivendo, né?", provoca Léo, rindo, no banco de trás. "Mas eu tenho sido um bom dirigido!", contesta Fulvio. "Tá tranquilo, né, pai? Não brigamos nenhuma vez." Nos bastidores, eles se tratam por "pai" e "Leonardo".

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O carro segue o caminho e o papo desemboca em política. Os dois mostram que têm mais em comum do que o timbre grave de voz: são críticos do PT e favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff. Fulvio fez campanha para Aécio Neves (PSDB) em 2014.

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"A rigor eu não estava apoiando o Aécio especificamente. Estava contra o que acontecia no Brasil. Não queria que continuasse daquele jeito. E a forma de conseguir mudar era apoiar o Aécio."

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O ator continua: "O Brasil estava tão ruim que ninguém ia dar jeito. Precisava acontecer um choque muito grande, como esse que está acontecendo agora, com o impeachment, a Lava Jato e as outras investigações, como a Operação Zelotes. Todos [os políticos de todos os partidos] têm que ser investigados. A roubalheira é tão grande".

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Para ele, falar que houve golpe "é brincadeira de mau gosto para influenciar as pessoas". "O bandido sempre diz que não é bandido."

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Fulvio pensou até em ir às manifestações contra o governo com Vera, sua mulher desde 1968. "Mas não tenho mais 20 anos para deixar o carro lá embaixo e subir essas alamedas todas", diz no táxi, que já percorre a avenida Paulista.

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Na eleição municipal, vai votar em João Doria (PSDB), que "tem uma coisa até doentia, de ser determinado demais. Sabe o que quer. E faria uma boa prefeitura porque não precisa de dinheiro, não é ladrão". Sua "intuição", porém, diz que Marta Suplicy (PMDB) vai ganhar.

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Pai e filho chegam ao teatro, sobem ao palco e começam a trabalhar. Com a experiência de quem já fez mais de 40 espetáculos em 60 anos de carreira, Fulvio em alguns momentos faz as vezes de diretor -como na hora em que, de canto, sugere à colega de elenco Carol Mariottini mudar a entonação em uma fala.

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Na televisão, onde começou a trabalhar em 1955, vai aparecer em 2017 em uma participação na série "A Lei", do canal a cabo Space. Está longe das novelas desde 2014, quando acabou "Amor à Vida" e também seu contrato fixo com a Globo. Na época, Fulvio fez críticas públicas a seu personagem no folhetim das nove. Reclamou que ele ficou "esquecido". Depois disso não fez mais nenhum papel na emissora.

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"Eu tinha feito uma composição, talvez das melhores da minha vida, e aí foi jogada fora", relembra ele, que fazia um tipo bem paulistano. "Sugeri umas coisas gostosas e nada foi feito." Diz ter proposto, por exemplo, que uma música dos Demônios da Garoa fosse a trilha de suas cenas.

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No espetáculo "O Pai", com liberdade para dar pitacos aqui e ali, tem nas mãos um papel que já rendeu prêmios a atores mundo afora. André, seu personagem, é um homem com os primeiros sinais do mal de Alzheimer.

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O texto original é francês e foi encenado com enorme sucesso desde 2012 em lugares como Paris, Nova York, Londres, Madrid e Buenos Aires, acumulando troféus.

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"É para ganhar prêmio [no Brasil também], mas vamos ver, porque a politicagem aqui é um negócio horrível", diz Fulvio. No palco não há "um estudo profundo ou médico" da doença que corrói a memória. "A peça é de pessoas comuns", afirma o ator. "Nem tão profundas nem tão superficiais. A gente mostra a situação e deixa o público pensar."

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Ele próprio deixa para os outros a reflexão sobre envelhecimento e morte, temas com os quais lida na história que fica em cartaz até outubro. "Nem é bom pensar, né? Eu me sinto muito ativo ainda. Não fico preocupado com isso. Fico é triste. Já sei que daqui a pouco tô indo embora, mas..." Léo o interrompe: "Você vai até os 120, pai!".

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"Eu queria que a ciência resolvesse esse problema logo", diz Fulvio, emendando uma gargalhada.


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