Folha de S. Paulo


Ludmilla diz que aprendeu com fãs a lidar com racismo: 'Boto na Justiça e acabou'

O piso molhado de um galpão em SP reflete a imagem da funkeira Ludmilla, que descansa depois de oito horas gravando um clipe. Com três cenas faltando, diz que está acostumada com o ritmo intenso –chega a fazer dois shows por dia. "Tem que comer muito macarrão e muita maionese", diz ela, com seu forte sotaque carioca, à repórter Letícia Mori.

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A mãe da cantora chega toda maquiada e vestindo um colant igual ao da filha. "Vai lá, negona! Faz como eu te ensinei!", grita Ludmilla. Silvana Silva, 42, finge que arruma a maquiagem no espelho de um carro antigo que faz parte do cenário. A filha faz troça. "Ela nem sabe dirigir", diz.

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A participação da mãe no clipe da canção "Bom" foi decidida de última hora durante a filmagem –e depois acabou ficando de fora na montagem final. Silvana acompanha a filha sempre que possível: em shows, gravações, entrevistas e viagens. "Eu sou muito grudada. Qualquer coisa que eu vou fazer eu falo: 'Mãe, vamos comigo? Mãe, tá bom?'", diz Ludmilla. "Ela adora o meu sucesso, fica toda orgulhosa, tudo ela chora."

Ludmilla cresceu no subúrbio de Duque de Caxias, no Rio. Tinha 17 anos quando estourou, ainda como MC Beyoncé, com a música "Fala Mal de Mim". Logo que assinou com uma gravadora, mudou o nome. Ouviu que não deveria se limitar a um estilo só e que a homenagem à cantora americana poderia atrapalhar uma possível carreira internacional.

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Agora, aos 21, ela lançou seu segundo álbum e foi até convidada a participar da abertura da Olimpíada. Também acabou de sair de casa. Mudou-se para um apartamento na Barra da Tijuca e deixou a mansão onde morava, na Ilha do Governador, para a família. Ela diz que não é verdade o boato de que a mudança foi motivada por reclamações de vizinhos sobre o som alto em festas na casa.

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"Fico com raiva quando a pessoa toma pra ela uma coisa que alguém falou e vai me criticar sem saber a história inteira", afirma."Se fosse isso eu não ia para apartamento, que é pior. Eu tô ensaiando muito e a casa ficava longe", diz. "E se estava incomodando [o barulho] era só ir falar que a gente abaixava o som."

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A cena termina e Ludmilla entra no cenário para bater papo com a mãe, que conversa com produtores sobre seu signo. "Meu ascendente é em quê?", pergunta Ludmilla, nascida sob a constelação de touro. "Gosto de ouvir uma fofoquinha, mas não sou de ficar falando mal", diz, quando ouve um diagnóstico sobre sua personalidade. "Ela gosta é de mandar", brinca Silvana.

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A funkeira conta que a carreira na música ajudou a melhorar sua autoestima. "Eu não confiava muito em mim. Não opinava em nada, eu só recebia os roteiros, as paradas, e fazia o que me mandavam. Hoje em dia eu que dou as ideias, monto com o diretor, faço os passos junto com o coreógrafo. Agora eu participo do trabalho."

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Mas continua não se importando em ter interferências de fora no seu trabalho. Não vê problema no funk ter sido "suavizado" para ficar mais pop. "Não ligo de tirar palavrão. Até porque tem muita criança que é fã."

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Volta a falar sobre como o sucesso interferiu na sua personalidade. "Antigamente eu ficava cheia de vergonha de tudo. Tinha vergonha até de falar", diz ela, que, dependendo do assunto, ainda mostra resquícios de reserva. Fica vermelha quando questionada sobre sua relação com o feminismo e se o funk impulsiona o empoderamento feminino.

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"Cara... Eu sou... Tipo... Não tô nem aí pra nada", diz, encabulada. Após alguma insistência, elabora. "Eu não me considero uma pessoa feminista, me considero a favor do que te faz feliz, a favor do que te faz bem, se a mulher, sei lá, pintar o cabelo de tal cor e ela se sentir bem, é isso aí. Eu sou dessa vibe", afirma.

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Diz que críticas e preconceito tem de monte. "Oxe! Tem muito. Tem gente que gosta de atenção, que discute. Quando tô nem aí eu nem respondo. Mas, quando me irrita muito, eu vou e respondo mesmo. Respondo só uma vez e saio, pra pessoa ficar feliz. 'Olha, tá aqui a atenção que você queria'."

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No caso de um comentário feito por Val Marchiori na televisão durante o Carnaval, a resposta foi procurar a Justiça e um processo que pede R$ 300 mil de indenização. A apresentadora disse que o cabelo da funkeira, que desfilava pelo Salgueiro, "parecia um bombril".

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"Depois que eu aprendi não me incomoda mais, não. Agora eu vou lá e boto na Justiça e acabou", diz ela. "Postei no meu Instagram perguntando o que eu tinha que fazer nesse caso e me falaram. Aí eu fui lá e fiz."

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A relação com os fãs nas redes sociais é próxima assim mesmo: ela fala diretamente com eles no Instagram, no Snapchat e em seu Facebook pessoal, que ainda tem seu nome de batismo: Ludmila Silva. Ouve e dá conselhos, combina que vai tirar foto antes dos shows ("quando estou maquiada") e diz até que já ficou com alguns. "Com alguns", frisa. "Com vários não, que aqui não é bagunça", diz, rindo. Agora ela está namorando Xerxes Frechiani, um produtor americano que conheceu no Instagram.

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A gravação do clipe acaba. Depois de 12 horas no estúdio, Ludmilla tira as botas que vão até a coxa e mal consegue andar. "Não parece, né, mas eu sou tão preguiçosa!", diz. A mãe confirma: "Quando ela era pequena eu tinha que dar bronca porque ela não queria estudar, ficava só imitando a Beyoncé na frente da TV".

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Jogada na cadeira do camarim, Ludmilla diz que não faria esse esforço por qualquer outra coisa. "É que eu amo cantar, eu amo isso tudo. Se eu não fosse cantora provavelmente ia dormir o tempo todo, porque é muito sono, viu?"


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