Folha de S. Paulo


'Eu seria apenas um medalhão', diz Marília Gabriela sobre virar secretária da Cultura de Temer

"Gente, eu tomei água? Alguém sabe se eu tomei água?", pergunta Marília Gabriela no camarim do estúdio na Bela Vista, centro paulistano. Alguém diz que não a viu bebendo. "Então é bom tomar." Entorna um copinho de plástico enquanto anda até o cenário de "TV Mulher".

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Gabi, 67, está tão concentrada no "remake" do programa que lhe fez famosa, na década de 1980, que se esquece de algumas questões mais prosaicas.

Nas últimas semanas, trabalhou até 15 horas por dia. "Estou acabada", diz ao repórter Chico Felitti, "mas muito animada". Volta à TV após um hiato de um ano.

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Em 2015, rompeu com o SBT, onde apresentava o "De Frente com Gabi". Admite que tinha contrariedades no programa de TV aberta, mas afirma não ter "uma queixa" do canal de Silvio Santos.

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Tomou a decisão paulatinamente, durante dois anos em que se sentiu "insatisfeita, irritadiça". Mas, quando estava resolvida, não restava uma dúvida. "Uma coisa que não funciona para mim é ficar infeliz", diz.

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Meses depois, foi a vez de não renovar com o GNT, canal de TV a cabo onde manteve um programa de entrevistas por 20 anos. Estava oficialmente fora das telas, ainda que atuando em palcos.

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Quando pediu as contas, tinha planos literários: aceitara uma residência artística para passar três meses em Portugal escrevendo um livro. Também queira ter mais tempo para a família. Um de seus filhos, Christiano Cochrane, 44, mora nos EUA e lá está sua única neta, Valentina, 5.

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O período sabático acabou nem acontecendo. Foi chamada para conversar com Leticia Muhana, diretora do canal Viva, que propôs a ela fazer uma nova versão do "TV Mulher", com dez episódios.

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O convite a animou. "Era fugir do quadrado da entrevista e entrar numa coisa nova, apesar de antiga."

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Pôs-se a pensar em quem poderiam ser seus parceiros. Na coluna de moda, que foi de Clodovil e de Ney Galvão, está o estilista Ronaldo Fraga. "Vou desenhar, mas a moda não tem mais essa coisa de certo e errado", diz ele. A bancada de sexualidade, que fora ocupada por Marta Suplicy, ficou com a psicanalista Regina Navarro Lins.

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O programa estreia em 31 de maio e será televisionado às 22h30, bem distante da faixa da versão original, matutina. "A escolha do horário foi para aumentar o escopo de público", diz Muhana.

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Uma novidade do novo programa é a participação de seu outro filho, Theodoro Cochrane, 37. Ele será repórter, com um quadro em que entrevista mulheres notáveis da dramaturgia brasileira, e faz o figurino da mãe.

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Enquanto Gabi se preparava para a nova maratona, ouviu ainda outra proposta.

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Duas semanas atrás, estava sentada no cabeleireiro, com pés e mãos imersos em água quente, quando toca o celular. Era a ex-jogadora de basquete Hortência Marcari, perguntando aos sussurros se ela ouviria um convite. "Fiquei neurótica, achei que fosse programa de rádio passando trote, imitando ela."

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Quatro minutos depois, chegou a ligação da senadora Marta Suplicy, com quem trabalhou na TV por anos. "Ainda falavam em ministério. Me parece que naquele momento havia uma ideia de retomar o ministério".

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Duas horas depois, Marta voltou a ligar. Fez um convite para que tomassem um café da manhã com o presidente interino Michel Temer (PMDB) no dia seguinte. A resposta foi não.

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"Honestamente, eu seria apenas um medalhão. Eu sou midiática, espaçosa. E seria conveniente para um governo com quase nenhuma representatividade feminina que eu prestasse esse papel."

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Diz que não aceitaria o convite de nenhum governo. "Eu quero me 'culturar', consumir cultura. Não é para mim ser gestora de cultura."

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Afirma que nasceu mesmo para se comunicar, e prepara outros projetos. Terá, em parceria com a produtora Freemantle, site, perfil no Facebook e no Instagram em que publicará textos, fotos e entrevistas em vídeo. "Pego o celular e faço ali mesmo."

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Já gravou entrevistas com celebridades da internet e se assustou com o que viu. "Venho do vício da luz perfeita dos estúdios. Olhei e disse: 'Meu Deus, estou horrorosa, apaga isso!'." Acostumou-se.

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Até porque a preocupação com a aparência parece ter amainado. Em 1993, afirmou que tomava uma injeção de procaína ao acordar, para retardar o envelhecimento. "Parei faz tempo."

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Toma apenas vitaminas, e em número cada dia menor. "Liguei para o [médico, escritor e colunista da Folha] Drauzio Varella e disse: tomo isso, isso e isso. Ele me recomendou parar com vários." Além disso, só "uns outros remedinhos necessários por outras razões, tipo metabolismo". Come a cada três horas e faz pilates diariamente.

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A jornalista é informada de que que alguns entrevistados cunharam o termo TPM: tensão pré-Marília Gabriela. "Foi a artista que mais me emocionei ao conhecer", diz a ex-panicat Nicole Bahls. "É uma pena ouvir isso. No momento de gravar, nem me sinto na televisão", diz Gabi.

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"Em briga de marido e colher, se mete a colher?", pergunta Gabi para a câmera. Corta. Dá um tapa na coxa ao errar o texto em outras duas tentativas da frase "Em briga de marido e mulher, se mete a colher?". Foi o único erro da apresentadora no dia em que gravou dois programas.

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"Delegar poderes num trabalho como esse é muito difícil", diz ela, que afirma ter se tornado controladora. Mas deixa de se cobrar em um momento. "Sempre que eu sento na frente de alguém para fazer entrevista, isso passa."

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JOGO RÁPIDO

O que é felicidade?
São pequenos momentos de alegria. Não acredito na busca pela felicidade.

Sua qualidade que mais admira?
Essa inquietação, buscar resposta para tudo.

Sua qualidade que mais detesta?
Eu tenho um temperamento desgraçado. Estou hoje em dia mais doce, mas tenho pouca paciência com incompetência e com burrice.

Gabi por Gabi?
Agora eu entendo por que as pessoas ficam nervosas quando eu perguntava. Sou uma metamorfose ambulante, ainda bem.


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