Folha de S. Paulo


'Cuidar dos filhos é obrigação da mulher', diz atriz Luciana Vendramini

Tubinho preto justíssimo, salto alto agulha e cabelos superlisos e soltos. É assim que Luciana Vendramini, 45, está vestida para gravar um podcast sobre sexo em um estúdio na zona sul de SP. O figurino combina com o assunto, com a imagem da atriz que foi símbolo sexual nos anos 1980 e 1990 e com o Instagram recheado de elogios e retratos da época de modelo.

"Destruidora", "Maravilhosa", "Não envelhece, está sempre linda" são alguns dos comentários que pipocam na rede de compartilhamento de fotos, a única que ela diz usar. Embora goste dos elogios, a paulista de Jaú rechaça a atmosfera de glamour.

"Normalmente estaria de chinelo, camiseta e jeans, mas tenho uma reunião depois. Aí tenho que usar o look executiva", diz, para logo depois rir e retomar as falas de "Muito Prazer", atração que tem como tema da vez tipos de beijo.

"A ideia do programa é dar vozes e falar o papo reto. É muito triste você ver as famílias hostilizando um filho porque é gay, sendo que é gente bacana, com educação. Não quero condenar ninguém. Você quer transar com uma berinjela? Tudo bem."

A atracão é uma das que Luciana toca desde que abriu sua produtora. Peças, programas para a televisão e sites estão entre os produtos oferecidos por ela, que, "cansada de ser refém de papéis que não interessam ou de esperar o telefone tocar", atua, roteiriza e opina em muitos dos projetos que escolhe.

"Tem coisas que eu tenho vontade de fazer, mas não vão me chamar. Uma empregada doméstica, por exemplo. Você acha que algum dia terei a chance de fazer esse papel?"

Entre intervalos do programa, uma sessão de fotos e um percurso de táxi, Luciana conversou com a repórter Marcela Paes.

ENVELHECER
Acho maravilhoso, porque eu quero ficar mais velha. Eu quero ficar Fernanda Montenegro, com a idade dela. Eu não quero morrer cedo. Ninguém quer ser uma Marilyn [Monroe] e ter uma passagem rápida por aqui. As pessoas que me encontram me elogiam muito, falam que eu não envelheço. Aí eu acredito.

Não sei se eu vou ficar como uma Sophia Loren maravilhosa, linda e poderosa, ou uma Catherine Deneuve chiquérrima. Ou se vou virar uma Brigitte Bardot. E eu acharia lindo virar uma Brigitte Bardot, do jeito que ela está. Não digo nem que ela está gorda. Ela está linda.

MATERNIDADE
Vejo pelas minhas amigas, que entram em desespero. Eu nunca tive isso. Elas ficam desesperadas falando: "Meu Deus, tenho 30 anos, tenho que ter filhos". O foco não é nem em namorar. É ter filho.

Para eu ter um filho, não vai ser porque o relógio biológico gritou. Senão eu já teria. Vou ter filhos se estiver loucamente apaixonada a ponto de querer um clone daquela pessoa, digamos assim. Multiplicai-vos! Para mim é muito relacionado ao amor. Não consigo ter um filho solteira. Eu preciso do homem.

TEATRO
Estou produzindo duas peças do João Luiz Vieira e vou atuar em uma delas. As duas abordam temas que eu gosto muito e tenho medo, que são sexo e morte. Ele [João] fala desses temas de um jeito diferente. Fizemos uma leitura durante a Virada Cultural da "Meu Nome É Célia, Estou Morta" e tivemos uma resposta muito boa. As pessoas se emocionaram. O teatro que eu faço é estranho, não é convencional.

LIVRO SOBRE TOC
Vou lançar, acho que neste ano, um livro sobre TOC (transtorno obsessivo-compulsivo). Escrevi há mais de dez anos, mas só agora tive coragem para lançar. Naquela época eu fiquei com medo de ficar estigmatizada. Fora do país se pode falar abertamente sobre problemas psicológicos de forma natural.

Esse livro vai contar desde o primeiro dia que eu tive a primeira mania, como aconteceu, o tratamento. Vai ter muito material fotográfico. Eu cheguei a ter 39 kg, fiquei um ano sem abrir a porta de casa. Então é bem profundo.

Hoje em dia eu queria fazer terapia, mas não tenho mais tempo. Ainda tomo remédio, mas de vez em quando paro, se estou num momento estressante aí eu volto, tomo uma dose mínima... Mas estou superfeliz assim.

FEMINISMO
Feminismo é Ok. Não gosto muito é das feministas, o que representa uma feminista. A luta do que foi na época, para elas, faz sentido, mas hoje a mulher perdeu a referência. Até moralmente. A mulher tem os hormônios desde que nasce, o homem não. Somos diferentes. A mulher está tentando ser pau pra qualquer obra, mas eu acho que algumas obrigações são nossas. Cuidar dos filhos é nossa. Lógico que o homem pode ajudar e é legal, mas a função é nossa.

Sinto que as mulheres querem ser fodonas e não se deixam gostar de algo que é delicioso: ser mulher, ser feminina e deixar o homem fazer coisas que você não precisa fazer. Nós sabemos: a gente se vira e é raçuda. A mulher é melhor do que o homem sim, mas tem coisas que a gente não precisa mais fazer. É tão bom cuidar de um bebê, fazer toda aquela função da mãe, ser dona de casa. Isso se perdeu.

REVISTA 'PLAYBOY'
Eu tinha 16 anos na época que eu fiz, para você ter uma ideia, e não senti preconceito. Foi depois que eu comecei a sentir e ver todo mundo falando. Nos anos 90 podia tudo, hoje não pode nada.

Eu ouvia muito "fiu fiu", "gostosa", "casa comigo", e morria de rir. Tudo tem que ter bom senso e medida. Se alguém te fala uma coisa obscena, você não tem que se calar. Mas, gente, faz parte. O belo é para ser visto. É muito exagero. Pelo amor de Deus. Não se pode elogiar nada. "Ai, você tá linda hoje." Processa. As pessoas tão loucas. A gente até citou a Valentina, a menina do "MasterChef", no "Muito Prazer" porque ela foi elogiada [a garota foi alvo de mensagens de cunho sexual em redes sociais no ano passado] e resolveram falar que aquilo era um assédio, que não podiam elogiar uma menina de 12 anos. Oi?

Por outro lado, acho importante chegar nesse extremo para depois normalizar. É um país que nunca teve boca. Sempre fomos calados.

POLÍTICA
Nosso país passa por um momento complicado. É difícil dar uma opinião porque, se você fala mal de um partido, ali dentro também tem pessoas bacanas. Mas eu grito na medida do possível. Eu grito por hospitais, escolas.

Também odeio as calçadas de São Paulo. Eu fiz uma camiseta sobre isso. Porque é lamentável você não ter uma calçada. Quer andar a pé? Só na [avenida] Paulista. Não vejo carrinho de bebê, não tem idoso andando. Salto? Nem pensar. É triste. Gente, concreto. Igual Nova York. Concretão, que não dá problema.

Me incomodo muito com o problema do transporte público. Acho caro, pouco e ruim. Acredito, sim, que existe uma briga entre metrô e ônibus. Existe tanto ônibus e tão pouco metrô. Não tem muito sentido. Não tem nexo, sendo que um é mais viável e mais prático. Acredito mesmo que existam essas brigas. Quem sai perdendo é a gente.


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