Folha de S. Paulo


No teatro, Tiago Abravanel 'ganha em um mês o que ganharia em um show'

Tiago Abravanel, 28, toma um impulso e sai correndo. Sobe rápido em uma casinha de cachorro e imita um latido. Dá um salto e cai de pé no chão. A camiseta preta disfarça, mas não esconde a barriga redonda que não deixa de ser um trunfo para ele interpretar Snoopy, o famoso cão do desenho animado. Com o personagem, retorna aos palcos após três anos.

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Intervalo no ensaio do musical "Meu Amigo Charlie Brown" e um círculo se forma em torno do ator e cantor. Ele acaba de ganhar um fone de ouvido com o formato do bichinho, que ele vai viver no espetáculo a partir do dia 5 de março, no Teatro Shopping Frei Caneca, em São Paulo. "Amei! Amei", diz Tiago, que já começa a montar uma coleção de objetos com a cara de Snoopy.

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Ele morde uma pera e se senta diante de um dos preparadores. Solta a voz, oscila entre graves e agudos, tenta não desafinar. "No show dá pra tomar fôlego, eu digo 'vocês' e o público segue. No teatro musical é diferente, tem que ter outra resistência", diz ao repórter Joelmir Tavares. Voltou a fazer aulas de pilates para fortalecer os músculos das coxas, já que passa "metade do espetáculo agachado".

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Senta do lado de fora da sala de ensaio, diante de uma rua movimentada da Vila Madalena numa tarde de janeiro, e responde ao aceno de um casal que passa de carro. "Semana passada queria ir na [rua] 25 de Março e minha mãe: 'Cê tá maluco?'. Ai, gente, é só botar óculos, não?!"

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Diz que voltar aos palcos é como uma obrigação. "No início da minha carreira, se eu não morasse na casa da minha mãe... Fiz espetáculo que tinha 26 pessoas no elenco e três na plateia! Agora que sou reconhecido, vou largar o teatro? Não posso."

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"Nossa, mas como você vai ganhar dinheiro?", pergunta, esganiçando a voz e fazendo cena. "Proporcionalmente falando, talvez o que eu ganhe em um mês no teatro eu ganho em um show", diz ele, contratado principalmente para cantar em empresas. Sua agenda marcou oito "eventos fechados" em dezembro e três em janeiro. No Carnaval, foram cinco apresentações em camarotes em São Paulo, no Rio e em Salvador.

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Com cachê que varia de R$ 45 mil a R$ 75 mil, diz ver sem preconceito os shows corporativos, "mesmo sabendo que tantos outros artistas se recusam a cantar para uma plateia que não foi ali para te ver e que às vezes foi obrigada a ir, quer fazer média com o dono da empresa ou pegar uma boca livre".

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Tiago anima as festas de firma com músicas de outros cantores, covers de Tim Maia (o personagem que o lançou à fama, em 2011) e as duas músicas de seu repertório próprio ("Eclético" e "De Brim"). "No mercado corporativo, um show eclético tem mais possibilidade de sucesso."

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Até agora, suas apresentações bancadas por patrões conseguiram escapar dos efeitos da crise.

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"Não posso reclamar da quantidade de trabalho não. Muito pelo contrário, tenho que agradecer mesmo." Criou uma versão aberta ao público, o Baile do Abrava, apresentado em São Paulo e no Rio com banda completa, bailarinos e participações especiais. A temporada paulistana recomeça neste domingo (21), no Lapa 40º, em Pinheiros.

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Para o último baile de 2015, em dezembro, Tiago chega com uma de suas roupas estampadas com figurinhas de desenhos animados e calçando sandália Crocs. No camarim, pede para desligar o ar-condicionado, bebe Coca-Cola na temperatura ambiente e conta: "Já fiz evento corporativo onde metade da plateia era de crianças de 12 anos, outro com média de idade de 90 anos, outro onde quase 90% do público era do Exército, outro onde a organização resolveu servir o jantar depois do show e tinha um monte de gente morrendo de fome, querendo que acabasse".

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Lígia, irmã e empresária, o interrompe. Acha que a voz de Tiago está ficando rouca, com o cantor prestes a entrar no palco. "Eu tô falando só agora, gente", ele responde. E segue com histórias dos 85 shows que fez no ano de 2015.

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Chega uma porção de batata frita. "Porra! Adianta falar de dieta?", diz ele, que já experimentou regimes, mas aprendeu a conviver com seu peso. "Óbvio que às vezes eu me olho no espelho e tenho raiva, tento colocar uma roupa e ela não entra." Culpa a ausência de rotina e as noites mal dormidas pela dificuldade de emagrecer.

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Fumante desde os 18 anos, conseguiu há alguns meses largar o cigarro. Assumiu a calvície, que chegou a disfarçar por um tempo com produtos que dão a impressão de volume maior. Em abril, volta a exibir a cabeça raspada na nova temporada do seriado humorístico da Globo "Chapa Quente", em que interpreta um cabeleireiro gay.

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Enquanto se arruma, brinca com os dois sobrinhos pequenos, que correm nos bastidores. Vivian, a segunda irmã, e a mãe de Tiago, Cíntia Abravanel, estão por ali. Ambas também trabalham na produtora que gerencia a carreira dele. "Eu dou ordem nelas e elas em mim! Mas a gente tem muita confiança um no outro", diz. Com o avô Silvio Santos, pai de Cíntia, o contato é mais restrito aos encontros familiares.

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Brinda com a sua equipe (que o chama de "Ti") antes de as cortinas se abrirem. "Essa é uma festa pra dançar!", avisa à plateia, formada principalmente por casais, mulheres, gente com mais de 40 anos. "Veio na caravana de onde?", pergunta a uma espectadora. Ele rodopia, requebra e fica suado. "Não sei como eu ainda tô gordo, gente!"

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As experiências "como 'entertainer' no show, interagindo com o público, comandando a banda, recebendo convidados", empolgam o ator e cantor, mas virar apresentador ainda é só uma vontade. Não tem projeto de programa nem na Globo -onde no fim do ano apresentou um especial de Natal- nem no SBT -onde anualmente divide o palco no Teleton com Silvio, "uma fonte de inspiração".

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"Cada artista tem uma função", afirma. "Tem o que fala, o que briga, e tem o que alivia. Eu acho que eu vim pra Terra pra aliviar."


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