Folha de S. Paulo


Criador da 'Dilma do Selfie', Ceará diz que artista não deve revelar partido

No início da noite de quarta (12), o humorista Wellington Muniz, o Ceará, 42, estava na rua para resolver um problema com o carro. Tinha acabado de voltar para SP após descansar com a família em Trancoso (BA). Falava e respirava com tranquilidade.

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Bem diferente do Ceará ofegante e agitado de semanas antes, que corre entre o camarim e o estúdio de uma produtora na Vila Leopoldina nas gravações de "A Grande Farsa", seu programa no Multishow. "Sou como um carro parado com o motor ligado. Mesmo dormindo, a cabeça tá trabalhando", diz ele ao repórter Joelmir Tavares.

Conta que na noite anterior tomou um relaxante para dormir, já depois das 2h. Foram cinco horas de sono. Começa a manhã de trabalho em uma sala de reuniões com cinco roteiristas. Ceará lê o texto com os colegas e emenda uma ideia atrás da outra. Surge o assunto sogra. "Eu mando flores pra minha sogra: um buquê redondo, no cemitério!", improvisa.

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Frenético, gargalha das próprias piadas. Levanta e bate palmas. Faz uma coreografia de axé. Corre imitando um maratonista. Alguém propõe pintar de preto um ator do elenco para se parecer com um queniano. Ceará reage: "Aí não, senão a patrulha vai cair matando. Não gosto de brincar com isso".

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Uma polêmica justamente sobre racismo acaba de envolver sua antiga turma, o "Pânico". O personagem Africano, interpretado no programa da Band pelo ator Eduardo Sterblitch –que é branco e usa tinta escura e uma malha preta no corpo–, foi denunciado à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, do governo federal.

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Entre rádio e TV, Ceará ficou 18 anos na trupe. Em 2014, ele decidiu sair e fazer rir por conta própria. Foi chamado pelo Multishow, que levou ao ar até sexta (14) a primeira temporada de sua atração. Tem contrato até 2017.

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De óculos escuros Dolce & Gabbana e mochila Gucci, ele vai a um restaurante com bufê por quilo ali perto para almoçar antes da gravação. À mesa, conta que foi chamado de "louco" e "irresponsável" ao resolver deixar o "Pânico" depois do nascimento de Valentina, sua primeira filha, do casamento com a apresentadora Mirella Santos.

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"Eu trabalhava num lugar que tinha muitas estrelas, muitos talentos. E minha cabeça não parava de produzir, de criar. Queria dar ao público a chance de me ver fazendo outros personagens e também de cara limpa", afirma.

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Falar sobre correr riscos na vida faz o humorista relembrar a juventude em Fortaleza (CE), onde largou um curso de torneiro mecânico aos 16 anos para virar comediante. "Eu era introspectivo, tímido. Tinha uma voz mais fina do que a do Anderson Silva quando era criança!" Mesmo assim, decidiu ser artista.

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Empolga-se com as histórias, e a comida vai esfriando no prato. "Se for preciso, tem um micro-ondas ali para esquentar", brinca. "Acho que sou hiperativo. Não fui diagnosticado, mas acho que sou. Falo rápido, penso rápido."

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Serve-se de sobremesa e diz que não é "muito de doce", mas precisa naquele dia "para dar energia". O iPhone apita. É um lembrete, dos tantos que põe no celular –chamar toda a equipe ao palco no dia seguinte, na última gravação. E mostra anotações, ideias, e-mails para sua produção, com 80 pessoas.

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No caminho de volta à produtora, é diplomático ao falar sobre dividir espaço no Multishow com comediantes de sucesso como Paulo Gustavo, Tom Cavalcante, Tatá Werneck e Fábio Porchat. "Juro que não fico com preocupação de me destacar nessa constelação. Sempre pensei em fazer parte de um time. Você quer ir rápido? Vai sozinho. Quer ir longe? Vai em equipe."

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Despista também sobre um eventual interesse em ir para a Globo, já que o canal a cabo é do mesmo grupo da emissora. "Eu fico trabalhando. O futuro não pertence a mim." No domingo passado (9), ele fez sua estreia na Globo como convidado do "Esquenta!". Apareceu de "Regina Ralé", sua sátira para a apresentadora Regina Casé.

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Chega ao camarim. Vai começar a brincadeira. Pega um copo d'água com um canudo e começa a soprá-lo. Botar "a boquinha na mangueira" é uma orientação da fonoaudióloga para cuidar da voz, tão exigida. Os maquiadores começam a transformá-lo no cantor Sidney Magal para o primeiro quadro do dia.

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De uma caixa, tira um microfone com uma estrutura metálica para pregar na roupa. O objeto é do figurino de Silvio Santos, seu personagem mais famoso, que perseguia famosos no "Pânico" ao lado do Repórter Vesgo (Rodrigo Scarpa). "Fui eu que fiz. Porque sou torneiro mecânico, né? Só não sou presidente do Brasil. Mas dá para ser ainda."

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A menção ao ex-presidente Lula é indireta, mas à presidente Dilma Rousseff é clara. Ela ganhou uma versão própria no programa, a "Dilma do Selfie". "Não tem maldade nem é para sacanear. Todo político quer ter popularidade, estar bem com o povão na rua, sair bem na foto."

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O Brasil está "num momento difícil", diz. "Não tá pra rir, não tá pra brincadeira. O índice de desemprego, essa roubalheira, essa corrupção aí que envergonha a gente."

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Só não quer levantar bandeira. "Sou imparcial. Artista não tem que ficar dizendo de que partido é. Porque trabalha com o público e precisa dele. Para mim, o público é o patrão. Teve artista no passado que fez isso e pagou um preço, arranhou a imagem."

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É hora de ir para o estúdio. Ao entrar, enrola um roupão no pescoço para se proteger do frio do ar-condicionado. No palco, canta e dança como Magal diante do auditório, que bate palmas.

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Volta para a maquiagem e é transformado em "Dantena", sua imitação para o jornalista José Luiz Datena. Depois vem a caracterização como Cid Moreira. Por último, já à noite, a vez de Silvio Santos. O ritmo é acelerado, como se o programa fosse ao vivo. Nos intervalos, ele come maçã para "limpar a garganta". Mirella chega de salto alto e com as pernas de fora para visitar o marido. Senta-se na plateia e ri das brincadeiras dele.

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Perto do fim do expediente, Ceará sente dor nas costas. A camareira Cidinha passa nele um massageador em formato de golfinho. "Ai, delícia. Tá bom aí." Estava mesmo precisando de uma revisão.


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