Folha de S. Paulo


Anitta toma as rédeas da carreira e se divide entre 'zoeira' e lado empresária

"Vadia, é melhor ter o meu dinheiro." O verso cantado em inglês pela caribenha Rihanna em "Bitch Better Have my Money" agita uma van que cruza o centro de São Paulo na madrugada fria de um sábado de junho. Lá dentro, a cantora Anitta, 22, dança de pé, animada.

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Ela está a caminho do último compromisso do dia, um show em uma boate gay na Barra Funda. Acaba de se apresentar em uma festa de debutante na unidade de Higienópolis do Iate Clube de Santos, onde adolescentes de celular em punho e roupa de gala repetiam seus refrões pegajosos. As oito músicas que cantou foram escolhidas pela aniversariante.

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Segurando uma água, a carioca chega ao camarim da casa de shows, recheado de salgados, balas, frutas e garrafas de vodca. "Não bebo [álcool]. Até hoje nunca senti vontade", diz ao repórter Joelmir Tavares. Uma fã entra para tirar foto. "Seu nariz ficou ótimo", elogia a cantora, ao suspeitar de uma cirurgia plástica. "O seu também", devolve a moça. Anitta operou o rosto no início de 2014.

O início do evento era anunciado para as 23h. Faltam 15 minutos para as 3h e vaias são ouvidas. Logo a cantora entra no palco e a irritação desaparece entre sucessos dela e outros hits de funk e do repertório de Sandy, Kelly Key e Wanessa Camargo.

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Antes de chegar ali, ela tinha participado de uma reunião às 9h no Rio, voado para SP, passado a tarde em uma sessão de fotos no Morumbi e depois dado entrevista para uma rádio que funciona em um shopping em Pinheiros.

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"Façam auê quando eu estiver saindo", grita ela no microfone para os fãs que estão do outro lado do vidro do estúdio, no fim da tarde. Com jeito elétrico, mexendo-se sem parar, ela avista uma livraria. "Daqui a três meses vocês vão poder entrar ali na Saraiva e encontrar meu CD novo. Comprem muuuito", sugere, rindo do que acabou de dizer. Nesse cenário, relembra o passado como vendedora de loja de roupas, aos 16 anos. "Eu era péssima. Queria interagir, ficar de papo com a cliente. Nunca batia a meta."

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As coisas aconteceram rápido demais para Anitta. Do trabalho temporário em shopping até o estouro com "Show das Poderosas", em 2013, não se passaram nem quatro anos.

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O compromisso na rádio acaba e os guarda-costas montam um esquema para a artista cruzar o corredor cheio de pessoas. De salto alto ("Senão eu fico da altura dos fãs"), ela atende a alguns pedidos de fotos e dá autógrafos. Desce por uma escada de serviço e, no andar térreo, ainda cercada por seguranças, passa por quatro rapazes que não percebem sua presença. Ergue a mão direita e chama o grupo: "Oiii, gente! Tudo bem?". Eles só então a veem, sem esboçar reação.

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Sobe numa van e, ufa, um momento de calmaria. O semblante fica sério ao falar do rompimento com Kamilla Fialho, empresária que a lançou para o grande público. "Tá na Justiça. Ponto. Eu me limito a falar isso. É um assunto de advogados", despista, sobre a quebra de contrato após divergências. "Hoje eu sigo minha vida, feliz. Trabalho bem."

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Com o fim da relação, em agosto de 2014, Anitta virou dona do próprio nariz. Centraliza as decisões da carreira, mas tem à sua volta pelo menos 50 pessoas, entre equipe de venda dos shows, músicos, bailarinos e contadores. Marina Morena, filha de Gilberto Gil, é responsável pelos contratos de publicidade.

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O vocabulário da cantora, que fez curso técnico de administração, revela jargões corporativos. "Na parte administrativa eu tenho uma advogada que fica 'full time' [em tempo integral] no meu escritório." Diz driblar a crise econômica com conselhos dos assessores. "A gente faz o que o mercado pede. Economia é como um jogo de xadrez, né? Se não tá bom aqui, vai pra lá", explica, gesticulando. "Tô sempre querendo estudar, para não ser uma leiga. E para não deixar ninguém me enrolar nunca!"

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"É difícil para as pessoas imaginarem que exista uma única pessoa tão oito e 80. Ser tão zoeira, tão louca, brincalhona na rádio, e aí chega no escritório, fala com o advogado sobre contas, contratos."

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Faz em média dez shows por mês. E quanto custa cada um? O assessor de imprensa solta um "Aaahhh" de desaprovação. Sentado no fundo da van, Renan, irmão e negociador de apresentações dela, se intromete na conversa: "É flutuante. Depende de vários fatores. Não faço para uma boate a mesma coisa [cachê] que para um festival como se fosse Rock in Rio". Ela completa: quer atingir todos os públicos, "da classe E até a A".

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A van chega à casa de um amigo da cantora nos Jardins onde ela vai tirar um cochilo antes da festa de debutante. Tira os sapatos e se acomoda em um sofá. Enquanto come morangos, diz que a família a ajuda a "manter o pé no chão" desde os primeiros shows, aos 16 anos. "Me tratam como Larissa [seu nome de verdade], a menina que cresceu com eles." O apelido artístico é inspirado na série "Presença de Anita" (2001), da Globo.

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Lembra que, com oito anos de idade, não via "maldade" na sensual personagem da atriz Mel Lisboa. "Com a internet, a TV, um celular na mão com um milhão de informações e tudo o que as crianças têm acesso hoje em dia, elas acabam se tornando maduras um pouco mais rápido do que antigamente."

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A queixa de que letras e danças de cantoras como ela incentivam a erotização precoce é infundada, acredita. "Toda a comunicação mudou. É uma questão que eu não acho que seja única e exclusivamente do funk."

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Autora de versos como "Eu finjo, vou fazendo meu teatro/ E te faço de palhaço, pra te dominar", é cautelosa ao comentar o rótulo de feminista. "Tenho medo da palavra 'feminista'. Para quem não entende muito sobre o assunto feminismo, que nada mais é do que você querer coisas iguais para homem e mulher, pode parecer que a mulher tem que estar acima do homem. E não é. Os dois devem estar no mesmo lugar."

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Olha para o futuro e sonha com mais sucesso, talvez até com projeção internacional. "Sei como é a vida sem [fama], sei como é a vida com. E eu era feliz sem, sou feliz hoje com. Mas é óbvio que eu não quero perder a minha carreira."

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Com quase 11 milhões de seguidores no Facebook, acompanha com um aplicativo todas as menções a ela na rede social –positivas e negativas. "O segredo é não levar as coisas tão a sério." Aprendeu que fã de verdade curte "a essência, a ideia, a personalidade" do ídolo. "E, por mais megaprodução que exista, o trabalho precisa ser bom. Você não compra público."


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