Folha de S. Paulo


Ator Sérgio Mamberti volta ao teatro após deixar governo e faz defesa do PT

Antes de entrar no palco para mais uma encenação da peça "Visitando Sr. Green", em um domingo de junho, o ator Sérgio Mamberti sentiu uma indisposição. O mal-estar no estômago –resquício de uma úlcera que teve nos anos em que trabalhou no Ministério da Cultura– quase o fez desistir da apresentação naquela noite.

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Ao sentar-se atrás da cortina e ouvir o burburinho da casa cheia, Mamberti tomou um chá de boldo para acalmar o estômago, respirou fundo e resolveu entrar em cena.

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De volta ao teatro depois de 12 anos, o artista de 76 diz que pisar no palco novamente é como voltar para casa. "Eu sentia falta, mas, como estava muito concentrado no trabalho, nunca imaginei que fizesse parte tão integral da minha vida", diz à repórter Letícia Mori no camarim do Teatro Jaraguá, no centro de SP. "Estabeleci um prazo para voltar, relacionado com a minha idade. Para você se manter vivo tem que continuar a ter projetos, ser ativo e se sentir necessário."

Foi o trabalho nos governos Lula e Dilma que o manteve longe do teatro. Ele foi presidente da Funarte e três vezes secretário –da Identidade e da Diversidade Cultural, da Música e Artes Cênicas e de Políticas Culturais.

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"Meus filhos ficavam um pouco ciumentos, porque eu estava muito circunstanciado e eles se acostumaram a me ver o tempo todo no palco. Falavam: 'Pai, você tem idade... tem tanta coisa que você quer fazer!'. E realmente, tem muita coisa."

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Um dos principais interlocutores do PT no meio artístico e membro do partido desde sua fundação, Mamberti saiu do ministério em 2013, mas continua se referindo ao governo na primeira pessoa do plural. Sobre escândalos, é diplomático.

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É um "momento difícil. Acusações são feitas, como no caso do [tesoureiro envolvido na Lava Jato, João] Vaccari, mas que não são comprovadas, e no entanto as pessoas são criminalizadas. [Em relação a quem já foi condenado], o governo está fazendo todo o possível no sentido de esclarecimento."

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Apesar do tom brando, o artista não passou ileso por contendas políticas na internet. Recebeu ataques no mês passado por causa de um vídeo editado com trechos de uma fala sua em um congresso do PT. O título do vídeo sugeria que ele convocava black blocks para protestos. "Houve uma manipulação, descontextualizaram. Sou absolutamente avesso à violência."

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Mamberti diz que nunca tinha estado na mira dos ataques ao partido. "Não guardo rancor, só fiquei muito triste. Acredito até que boa parte das pessoas que fizeram comentários agressivos tem um motivo, uma meta, que é fazer um Brasil melhor. Mas também tem muito comentário motivado por ódio."

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Alguns dias após a publicação do vídeo, ao jantar em um sábado de junho no restaurante La Tartine, na Consolação, Mamberti ficou surpreso ao ouvir que um casal já tinha pago sua conta. "Me disseram que se solidarizavam comigo pelo que eu estava passando."

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Surpresa também foi o assunto pelo qual foi reconhecido. Normalmente ele é abordado na rua pelo papel no infantil "Castelo Rá-Tim-Bum". O ator Cassio Scapin, que agora o dirige em "Sr. Green", foi seu colega no programa da TV Cultura, nos anos 1990. "Todo mundo ainda me chama de Tio Victor", diz Mamberti, rindo.

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Seu próximo espetáculo deve ser "Falstaff", inspirado em texto de Shakespeare. Ele também quer dirigir um filme com histórias curtas e trágicas, "no espírito do [longa argentino] 'Relatos Selvagens'", e coordenar um festival com um panorama do teatro desde os textos de padre José de Anchieta, no século 16, até a produção dos anos 1940.

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Personagem dessa história a partir da década de 1950, o artista diz que viu o número de peças crescer muito nos últimos 20 anos. "Pode parecer vantagem, mas produzir fica mais difícil, porque patrocinadores se acostumaram com a lei de subsídio e estabeleceram um padrão [de retorno] que é difícil de reproduzir."

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Em relação à Lei Rouanet, discorda das críticas à aprovação de projetos de artistas consagrados. "Não se pode jogar a culpa em quem não tem, porque muitos produtores e artistas conhecidos não têm condições de viabilizar tudo comercialmente", justifica.

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Viúvo desde 1980 da atriz Vivian Mahr, que morreu aos 37 anos por complicações respiratórias, o ator afirma que nunca considerou casar-se novamente. "A gente tem que namorar, né? Mas foram sempre casos eventuais. Se eu casasse estaria prejudicando a relação com meus filhos. Quando a Vivian morreu, o mais velho tinha 14 anos."

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Além dos três filhos, Mamberti criou a afilhada, filha de sua empregada, e cuidou do sogro durante a velhice. "Ele era judeu e, quando casei, eu estava apavorado. Disse: 'até posso me converter', mas ele foi maravilhoso. Tinha uma relação filial mesmo. Trouxe-o para morar comigo e cuidei dele até o final."

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"Essa coisa da solidão se aprofunda quando você não tem alguém para conviver. Mas na nossa profissão existe um elo de afetividade muito forte com as pessoas. E a minha casa estava sempre cheia de gente", diz ele.

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O sobrado de três quartos na Bela Vista, vizinho do Teatro Ruth Escobar, é o protagonista das recordações de Mamberti. "Minha casa acompanhou muito da história brasileira, da cultura", explica, sentado no sofá da sala cheia de retratos, livros e bibelôs.

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Em 1968, o teatro foi invadido pelo Comando de Caça aos Comunistas, organização de extrema direita que agia no regime militar. A casa do ator serviu de abrigo ao elenco da peça "Roda Viva", que foi espancado. "Aqui virou o hospital. Todo mundo que estava machucado veio para cá." Os atores do grupo nova-iorquino Living Theatre, presos e expulsos do Brasil pela ditadura, se hospedaram com Mamberti em São Paulo.

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"Aqui era uma espécie de antessala do teatro, todo mundo vinha para cá. A Gal [Costa], o [Gilberto] Gil, o Caetano [Veloso], o Zé Wilker, os Novos Baianos. A Baby [do Brasil] morou aqui um tempo", diz. "Quando a Leila Diniz morreu tinha até algumas roupas dela aqui."

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"A Regina Casé veio com o grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone para SP, o Luiz Fernando Guimarães, também da companhia, ficou aqui. A gente fazia uma espécie de 'esquenta'." E brinca: "Minha casa tinha a Regina muito antes [do programa dela na Globo]".


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