Folha de S. Paulo


Olacyr de Moraes morreu sozinho e tentando voltar ao topo

Cinco dias antes da morte do empresário Olacyr de Moraes, ocorrida na quarta (16), um de seus funcionários mandou um e-mail ao Instituto Lula, a pedido do chefe, para solicitar um encontro com o ex-presidente. A mensagem dizia que ele queria tratar de assuntos pessoais, informam os repórteres Bela Megale e David Friedlander.

*

Mesmo debilitado por um câncer de pâncreas, Olacyr sonhava em voltar a ter relevância como empresário. Desta vez o ex-bilionário, ex-rei da soja, ex-banqueiro e ex-empreiteiro queria explorar jazidas de tálio na Bahia, sua última aposta no mundo dos negócios. Buscava o apoio de Lula para fazer o projeto deslanchar.

*

As reuniões com executivos de sua mineradora, a Itaoeste, eram alguns dos poucos compromissos da rotina solitária do empresário nos últimos anos, quando já tinha perdido a maior parte de sua fortuna.

No aniversário de 84 anos, dia 1º de abril, ganhou festa surpresa organizada pelos funcionários da casa. Além deles, apareceram duas sobrinhas, os enfermeiros, algumas das companheiras mais jovens que ele tanto apreciava e um ou outro amigo.

*

Nada parecido com a badalação das festas que promovia ou frequentava. Quando fez 80 anos, lotou uma conhecida casa noturna de São Paulo com 200 convidados. Nessa fase, ele ainda cultivava uma caderneta que chegou a ter o nome de 30 mulheres, com o valor que cada uma recebia dele por mês.

*

As mais amigas, segundo pessoas próximas, chegaram a ganhar R$ 30 mil reais de mesada. No últimos anos, porém, Olacyr reduziu a lista para cerca de dez pessoas e colocou um teto de R$ 10 mil nos desembolsos. Os pagamentos eram depositados nas contas das moças.

*

"Não pense que no caderninho tinha só meninas. Tinha amigos que quebraram e perderam tudo, e ele ajudava com R$ 5.000 por mês", diz a sobrinha Gisele Moraes, que trabalhou com Olacyr e era a pessoa da família mais ligada a ele. "A história dele com as meninas era interessante para os dois lados. Ele sempre tinha companhia e as meninas tinham a vida delas, namorados, não ficavam só com ele. Nesse final da vida, elas desapareceram."

*

Desde que começou a tratar a doença, há pouco mais de um ano, o empresário passava a maior do tempo na varanda de seu apartamento de 600 m², no Itaim, assistindo a noticiários na TV. Para relembrar os tempos de prestígio, montou uma sala com dezenas de fotos das modelos com quem já tinha saído, celebridades como Xuxa e Pelé, e seu último encontro com uma autoridade, a presidente Dilma Rousseff, em 2012.

*

Olacyr carregou por muitos anos uma grande mágoa dos empresários e banqueiros que lhe deram as costas quando seu império começou a desmoronar, em 1995. Ele tinha sido um dos brasileiros mais jovens a entrar para a lista de bilionários da "Forbes", foi dono de 40 empresas e da maior produção de soja do mundo. Era bajulado por políticos e empresários.

*

O vento mudou depois que começou a construir a Ferronorte para transportar a produção do Centro-Oeste para o porto de Santos. Ele esperava recursos públicos que nunca chegaram para financiar a ferrovia e passou a tomar empréstimos para bancar o empreendimento. Endividado, vendeu a maior parte de seu patrimônio para pagar o débito de R$ 1,4 bilhão.

*

"Olacyr foi corajoso a ponto de tentar construir uma ferrovia daquele tamanho comprometendo dinheiro pessoal", diz João Santana, presidente da Constran, construtora de Olacyr e vendida em 2010 para o grupo UTC.

*

Os pagamentos mensais feitos pela Constran, cumprindo acordo firmado com Olacyr, sustentaram o empresário nos últimos cinco anos, quando suas despesas chegaram a R$ 200 mil só com gastos médicos. As prestações atrasaram recentemente, após o grupo UTC se tornar alvo da Operação Lava Jato, que investiga esquema de corrupção na Petrobras.

*

Os últimos anos do empresário ficaram marcados pela presença de oportunistas que lhe vendiam ideias furadas para arrancar dinheiro. Um deles foi o ex-senador boliviano Andres Gúzman, assassinado em 2014. Ele foi morto a tiros pelo motorista de Olacyr, que alegou à polícia não suportar mais ver Gúzman arrancar dinheiro do chefe com a promessa de negócios impossíveis.

*

O episódio abalou a saúde já frágil do empresário. De um ano para cá, ele praticamente não fazia nada sozinho, e repetia: "Quero ir embora. Chega dessa vida". Pediu a pessoas próximas que não o reanimassem, caso tivesse uma parada cardíaca.

*

Olacyr demorou para aceitar o tratamento médico do câncer. Recebeu o diagnóstico em 2013, mas recorreu a tratamentos alternativos como as cirurgias espirituais com o médium João de Deus, em Abadiânia (GO). "Ele tinha medo de operar. Antes de João de Deus, tentou vários tratamentos naturais", diz Sarah Mansur, amiga e assessora pessoal do empresário. Pouca gente foi ao velório, realizado no Hospital Albert Einstein. Segundo assessores de Olacyr, alguns artistas e políticos do Centro-Oeste telefonaram para prestar solidariedade.

*

Familiares reclamaram que a cerimônia foi curta e terminou antes da hora marcada por iniciativa de Marcos, filho do empresário. Dizem que isso explica, em parte, a falta de pessoas no velório. Procurado, Marcos de Moraes não deu resposta até a conclusão desta edição.


Endereço da página:

Links no texto: