Folha de S. Paulo


Pranchas usadas por Gabriel Medina esgotam em Maresias, que vira point

Na principal avenida de Maresias, litoral norte de São Paulo, o surfista Hugo Cesar, 37, é parado em sua volta para casa por um grupo de curiosos. Não que ele seja um craque das ondas, como seu amigo Gabriel Medina, mas é que os adesivos de marcas que patrocinam o atual campeão mundial de surfe denunciam: a prancha nos braços de Hugo pertenceu ao mais novo ídolo do esporte nacional.

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"Na semana passada, queriam me dar R$ 1.500 por ela, mas eu não vendo as pranchas que o Charles [Rodrigues, padrasto e treinador de Medina] me deu", relata ao repórter Nicolas Iory.

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A regra, no entanto, já foi violada, quando ofereceram R$ 800 por uma prancha usada pelo campeão mundial. Detalhe: estava partida ao meio. "O cara disse que ia reformar", conta Cesar, que ganha R$ 2.000 por mês como personal trainer e sustenta uma filha de um ano.

Objeto de desejo de dez entre dez surfistas, as pranchas usadas por Medina ao longo das 11 etapas do WCT, o campeonato mundial de surfe, esgotaram na loja de roupas e acessórios esportivos que pertence à família do atleta. Pelo menos 25 unidades foram colocadas à venda.

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Os preços variam de acordo com a colocação que o brasileiro alcançou usando cada equipamento. As pranchas que valeram troféus dispararam na bolsa de valores dos praieiros, chegando a
R$ 2.500, enquanto uma nova em folha custa a metade disso, em média.

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"Somente um empresário daqui comprou 18 pranchas", conta Suzana Galdino, 22, gerente da loja dos Medina, patrocinada desde 2011 por uma grife de surfe australiana. O movimento ali nunca foi tão grande, assim como cresceram também os valores dos contratos de patrocínio do atleta brasileiro, que lidera o ranking mundial.

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A loja virou um ponto turístico, diz Suzana. "Muita gente vem procurar pelo Gabriel, de crianças a idosos. Outro dia, ele estava almoçando em um restaurante aqui do lado e foi reconhecido por uns clientes. Começaram a ligar para avisar outras pessoas e, de repente, tinha um monte de gente em volta dele."

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A tietagem obrigou Medina a contratar um segurança, que o acompanha a todos os lugares desde meados do ano passado, quando já despontava como candidato ao título que pertencia ao australiano Mick Fanning.

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Na areia o assédio costuma ser ainda maior. É lá que ele treina e dá exibições de graça para uma plateia formada por amigos, turistas e muitos curiosos. As fãs não dão sossego nem no condomínio onde o surfista mora, bem em frente à praia.

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Valdir Muniz, porteiro do conjunto de alto padrão –com casas custando até R$ 2,5 milhões– admite que garantir o descanso de Medina tem sido tarefa complicada. Ele conta que um grupo de cinco meninas fez uma vaquinha entre elas para amealhar R$ 100 para suborná-lo. A investida foi em vão. Muniz continuou barrando o acesso delas à casa do surfista.

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A entrada do condomínio também é point. Muniz faz o papel de espião quando Medina precisa dar as caras. "Um dia, ele foi entregar uma camiseta para um menino. Dei uma espiada, não vi ninguém por perto e falei para ele vir. Quando ele pôs o pé para fora do condomínio surgiu uma multidão. A gente precisou fazer uma cerca humana ao redor dele", relata o porteiro.

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A proteção e o zelo foram recompensados. Valdir foi presenteado com três camisetas autografadas para distribuir entre as filhas. Se crianças e tietes vibram com autógrafos, os vizinhos não demonstram a mesma empolgação com o burburinho.

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Boa parte dos moradores da praia mais famosa de São Sebastião acompanhou a trajetória do campeão desde suas primeiras remadas. Antes de virar vendedora na loja, Suzana foi colega de classe de Medina até a oitava série do ensino fundamental, quando o surfista era obrigado a fazer atividades complementares, já que a rotina de viagens para competir o fazia perder aulas e provas.

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Quem também frequentou escola importante na formação de Medina foi Gilmar de Moura, 34, treinado na juventude pelo padrasto do atual campeão. Destaque entre amadores, quando era conhecido como Gilmar Pulga, ele não foi muito longe ao passar a competir entre profissionais.

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Pulga hoje é zelador do condomínio em que Medina mora com a mãe, o padrasto e a irmã caçula, emprego que conseguiu com a indicação da família do campeão. "O Medina tem hoje um treinamento de atleta, bem diferente do meu tempo. Ele aprendeu e evoluiu muito rápido. É o Neymar do surfe. Ele tem o dom e é dedicado", diz.

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Quando indagado se acredita que o brasileiro de 21 anos possa superar o americano Kelly Slater, maior campeão da história do WCT, o zelador e sufista nas horas vagas demonstra confiança. "Gabriel já foi além do que o Kelly conseguiu com a mesma idade, pois ele chegou entre os profissionais ganhando uma etapa do WQS [divisão de acesso] com apenas 15 anos, quando deveria estar na categoria mirim."

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Na praia em frente à casa do atleta e local de trabalho de Pulga, onde as ondas chegam a 1,5 m com facilidade, o zelador recorda seus tempos de profissional. Após o expediente, no qual costuma guardar cartas e presentes que os fãs deixam para o morador famoso, o veterano veste a camisa de lycra e encara as ondas habituadas à maestria de Medina. "Hoje sou eu quem aprende com ele", afirma.

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Já é fim de tarde em Maresias e duas jovens que vieram de Guarujá aguardam na areia os amigos surfistas. As estudantes Bruna Garcia, 16, e Beatriz Monteiro, 17, se orgulham de já ter tirado "selfies" com o campeão mundial, que naquele sábado não deu as caras por ali.

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Medina estava no Rio cumprindo agenda com patrocinadores e também aproveitando para curtir a noite. Ele embarca para o Havaí no fim desta semana para a preparação para o circuito mundial.

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Sobre o assédio feminino, ele já declarou: "Quanto mais títulos eu ganho, mais bonito eu fico para as meninas". Ele se refere às "marias-parafinas", que são para o surfe o mesmo que as "marias-chuteiras" são para o futebol.

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As fãs adolescentes de Medina frisam que não se enquadram na categoria, mas admitem que uma prancha debaixo do braço chama a atenção. "Os surfistas têm um charme especial. Acho que toda menina gosta de um cara que surfa", diz Beatriz.

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Mas o sucesso com as mulheres não é transferível, para azar de Pulga. "Só temos chance com alguma quando saímos com o Gabriel."


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