Folha de S. Paulo


Marcos Palmeira vira corrupto na TV e repete Marina Silva ao falar de política

Marcos Palmeira, 51, bebia suco verde no café da manhã, em um hotel de SP, para encarar até a noite uma sequência de atividades. Eram entrevistas e eventos de divulgação de seu novo filme, "A Noite da Virada", que estreou na quinta. O ator falava de uma festa, no dia anterior, que premiou autores de projetos com foco social e ambiental.

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"Sabe coisinhas pequenas que vão transformando?", pergunta ele ao repórter Joelmir Tavares. "Falei: gente, por que isso não tá bombando no Brasil? Porque só bomba o que é de R$ 2 milhões, R$ 10 milhões, R$ 10 bilhões. Aí vai para o bolso de todo mundo. O Brasil virou isso", diz, com ar de decepção.

Ligado à ex-presidenciável Marina Silva, o ator até emenda papos sobre outros assuntos –como o vilão que fará na próxima novela das oito, a fazenda no Rio–, mas, sem perceber, sua fala mansa acaba desembocando na política.

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Ele relembra encontros no interior do país com agricultores de um programa de economia sustentável. "Você dá a vara para o cara aprender a pescar." Defende "saltos" para o desenvolvimento do Brasil. "A gente continua no rame-rame. Os técnicos têm que estar à frente dos projetos, não os 'parceiros', os políticos."

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Em apoio à ex-senadora, o ator chegou a se filiar ao PSB, que a abrigou na campanha. Deixou a sigla após o pleito. "Não via mais sentido. O PSB não é um partido que me representa. Ela [Marina] foi traída dentro do próprio PSB."

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Também não seguiu adiante com o plano de ser candidato. Foi convidado para concorrer a governador do Rio, vice e senador. "A Marina queria que eu participasse. Mas aí seria fim de carreira. Não vou pegar esse pepino. Sou ator. Adoro a profissão."

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Corta uma fatia de tapioca de queijo –fora de casa, excepcionalmente naquele dia abria mão da dieta orgânica– e diz que lhe faltaria "temperamento" para a vida pública. "Não conseguiria debater com um corrupto. Falaria: 'Você é um ladrão!'. Eu viraria folclore da política, seria 'o doido'."

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Coincidência ou não, Palmeira vai encarnar um papel assim em "Babilônia", trama da Globo que começa a gravar nesta semana: será um prefeito mau-caráter que se envolve com Gloria Pires, na pele de dona de empreiteira.

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Já no banco de trás do carro que o leva dos Jardins para outro hotel, no Itaim Bibi, para falar com a imprensa sobre o filme, palpita que "Babilônia" será "uma 'Vale Tudo' dos anos 2000". O folhetim de 1988, também escrito por Gilberto Braga, terminou com um empresário trambiqueiro dando uma "banana" para o país e fugindo impune.

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"Espero que agora acabe com as grades da prisão se fechando." Mas rejeita a ideia de que a cena refletiria o Brasil atual. "Quem está preso do mensalão? Tem uma mudança [de comportamento], mas os caras são vistos como heróis. Nenhum foi condenado dentro do próprio PT."

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Em nome da "mudança", o ator apoiou o tucano Aécio Neves no segundo turno. "Tivemos 20 anos de ditadura e já vamos para 20 anos de PT. Tá errado." Votou em Lula em 2002. "Quando acho que até o Fernando Henrique Cardoso deve ter votado, porque era a hora dele [Lula]."

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Sobe o tom ao criticar a escolha da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), líder do agronegócio e colunista da Folha, para ministra da Agricultura. "É botar a raposa para cuidar dos ovos. Não tem como dar certo. Mas, para quem tem um ministro de Minas e Energia como Edison Lobão, que não entende nada do assunto, Kátia é até mais interessante. Fala um pouco melhor."

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Palmeira defende o ambiente e os índios. Participa de campanhas contra a usina hidrelétrica de Belo Monte. "Não vai resolver o problema [da energia]. A gente vive em função de grandes obras. É o dinheiro para as empreiteiras."

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Endossa a tese de que "o marketing foi brutal" na campanha. "A Marina sofreu muito. Foi agredida por ex-aliados. Ela se tocou que é um ninho de cobras." Mas acredita que possa haver "estranhos" nesse ninho. "Dá para trabalhar com os bons. E tem bons em todos os partidos."

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Também menciona a "polarização", expressão muito dita pela candidata. "Foi uma coisa idiota. As pessoas brigaram horrores. De repente, o Aécio virou um crápula para alguns. E a Dilma virou salvadora da pátria. A discussão era mais simples: quem é a favor da mudança?"

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Defende menos burocracia para o setor audiovisual e o teatro. "A bilheteria não paga a peça. Tem meia-entrada, 'Bolsa Teatro'. Pô, o Brasil tinha que ter patrocínio da Louis Vuitton e da Gucci, porque são só as bolsas", brinca, referindo-se ao Bolsa Família.

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Palmeira diz enxergar a vida com leveza. Num intervalo do dia de trabalho, ele dá uma volta por uma feira livre em frente ao hotel no Itaim. Vê em uma banca a placa "legumes sem agrotóxico, direto do sítio" e diz: "Esse aqui eu duvido... Vai que teve adubo químico?". Um burburinho se forma em volta. Senhoras pedem para tirar foto. O ator sorri.

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"Se eu pudesse ser reconhecido pelo trabalho e desconhecido pela aparência, seria o ideal", diz ele, que está namorando, mas não revela quem. "Prezo a privacidade", afirma o ator, que já se envolveu com beldades como as atrizes Ana Paula Arósio e Luana Piovani. Foi casado com a diretora Amora Mautner, mãe de sua filha, Júlia, 7.

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Nas poucas horas vagas, leva a menina para patinar, nadar e andar de bicicleta. "Mas fico menos tempo do que gostaria." Precisa se dedicar ainda à sua fazenda de cultivo orgânico e ao armazém no Leblon, no Rio, onde vende sua produção e a de parceiros.

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O rosto do ator estampa embalagens de cenoura, queijo, mel. "A gente, como artista, vende a imagem para produto que nem consome. Boto a cara numa coisa em que acredito." No papel de produtor rural, seu plano é profissionalizar a gestão e produzir mais leite. "Tiro 250 litros por dia e quero chegar a mil."

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Mas ainda é a arte que paga suas contas. Abriu mão de contrato fixo com a Globo quando foi chamado pelo canal a cabo HBO para fazer o protagonista de "Mandrake". A série o levou a ser indicado a melhor ator em 2013 no Emmy, o "Oscar" da TV mundial.

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"Não sou deslumbrado. Tento ser simples", diz ele, adepto da teoria de que dá para fazer de tudo na vida, mas com equilíbrio. "Não pode achar que é um desbunde... Mas às vezes tem que desopilar, extravasar, falar bobagem. Meter o pé na jaca, senão a alma sofre", diz, rindo. Se a jaca for orgânica, melhor ainda.


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