Folha de S. Paulo


Grécia

A Grécia votou pelo não. Repudiou um novo plano de resgate que havia expirado no dia 30. Os jornais e o premiê Alexis Tsipras disseram que os gregos repudiaram nas urnas a austeridade. Na verdade, os gregos repudiaram nas urnas um plano inexistente que deixa em aberto o futuro do pequeno país mediterrâneo.

Dentro do euro ou fora do euro? Eis a questão que terá de ser respondida nas próximas semanas, mais precisamente até o dia 20, quando vence a dívida polpuda da Grécia com o Banco Central Europeu. Caso a Grécia deixe de fazer também este pagamento, o destino dos bancos, das pessoas, do país estará selado. Calote no BCE significa suspensão das linhas de empréstimo que têm mantido os bancos acima da linha d'água. O dia seguinte disso é a quebradeira generalizada e a imposição de uma moeda paralela para que o país não pare de funcionar. Na prática, é a saída do euro –com hiperinflação, moratória e caos.

Alguns veem o "não" grego como um ato de bravura, a nobre resistência às demandas dos líderes europeus para manter a integridade da união monetária –união em que muitos não acreditam por suas próprias conveniências, não convicções. Entre os que assim percebem o não da Grécia, estão os partidos de extrema-esquerda e os partidos de extrema-direita da Europa, de Marine Le Pen, na França, ao Podemos, da Espanha. Tal união de extremistas é suficiente para revolver as vísceras de qualquer governo europeu moderado. Afinal, a tragédia grega que se anuncia é antes de tudo política –e geopolítica.

Merkel e seus companheiros têm pela frente cálculo político complicado: manter a Grécia no euro, dando respaldo às críticas e aos elogios dos partidos de extrema alguma coisa que ganham cada vez mais força no cenário político europeu, ou deixar que saia, mostrando aos defensores de Tsipras o custo da rebeldia, enquanto a Grécia fica à deriva, entre as ameaças do radicalismo islâmico e a sede de Putin.

Dar munição aos histriônicos europeus de todas as vertentes do espectro político, transformando a sobriedade conquistada em polarização crescente; ou entregar a Grécia aos lobos, preservando a política moderada, a maior vitória do processo de integração europeu? É isso o que está em jogo.

Muitos se perguntam como a Grécia chegou a esse ponto. Culpa de uns e de outros, pouco importa. O que interessa é como a Europa e a Grécia saem da sinuca de bico. A Grécia deixou há muito de ser risco econômico para o resto da zona do euro e para a economia mundial –a reestruturação da dívida feita há pouco mais de três anos garantiu que os mercados se protegessem do contágio de um potencial calote, razão pela qual a reação ao "não" foi comedida. O calote grego, quando vier, será dado nos governos e nas instituições públicas europeias como o BCE, além do FMI.

O que aumentou nos últimos anos não foi o grau de risco sistêmico econômico, e sim o grau de risco sistêmico político. Entendido dessa forma, o desfecho mais provável torna-se, então, menos obscuro. Se a escolha for entre o risco de radicalização política na Europa ou de turbulência geopolítica relacionada à Grécia fora do euro, não é difícil imaginar que os políticos europeus optem pela segunda opção. Fim de jogo.


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