Folha de S. Paulo


Será que eu ainda tenho tempo de aprender 'a arte de não fazer nada'?

Reprodução/Flickr

Li incontáveis livros de filosofia, psicologia, sociologia, antropologia e fiz mais de vinte anos de análise. Apesar de ter melhorado em alguns (poucos) aspectos, não aprendi, até hoje, a (não) fazer nada. Não sei o que é o "ócio criativo" ou o "direito à preguiça".

Medito, respiro, caminho, escrevo, faço uma longa lista de exercícios para relaxar, mas minha mente não para um só segundo.

Preciso estar sempre fazendo algo que considero produtivo: pode ser ler as notícias de inúmeros jornais e revistas, corrigir a tese de um orientando, escrever a arguição para uma banca, revisar um novo livro, preparar uma palestra, anotar ideias para as minhas colunas, responder a e-mails e comentários no Face, passar o aspirador na casa, limpar os banheiros, lavar a roupa, fazer compras no supermercado e farmácia, ir ao banco e outras tarefas diárias.

Trabalho todas as manhãs, tardes e noites, inclusive nas férias, domingos e feriados. Não sei "jogar conversa fora", "ficar de bobeira" e todas as coisas que considero "improdutivas".

Assim que acordo e minutos antes de dormir, respondo a emails e leio todas as notícias na internet, algumas vezes durante a madrugada (já que acordo, no mínimo, três vezes durante as minhas poucas horas de sono).

Mal acabo de terminar uma tarefa, começo outra. Não dou nem um tempinho para curtir a alegria de ter concluído algo que pode ter me custado meses de muito trabalho, dedicação e concentração.

Minhas amigas sabem que sou ansiosa, obsessiva, excessiva e workaholic. Acham que o meu comportamento é um vício, uma doença, uma neurose ou uma fuga. Agora mesmo, no meio do Carnaval, com milhões de pessoas se divertindo, beijando na boca e brincando, estou em casa trabalhando. Saber como ficar sem fazer nada é uma verdadeira arte. Dolce far niente: a doçura de (não) fazer nada.

Tenho ainda inúmeros projetos que pretendo realizar: entrevistar e filmar os homens e mulheres de mais de 90 anos que estou pesquisando, construir uma casa de cultura chamada Coroas –com música, dança e debates para os que têm mais de 60 anos–, escrever muitos textos sobre gênero, envelhecimento e felicidade etc.

Será que ainda tenho tempo para aprender a arte de (não) fazer nada?


Endereço da página: