Folha de S. Paulo


No confronto por atenção, protesto de mulheres tira o foco de Trump

"Milhões" foram às ruas e, após alguma relutância, "New York Times" , "Washington Post" , "Wall Street Journal" e até "Drudge Report" dedicaram suas manchetes digitais à cobertura. Foram enunciados como "Nós não vamos embora" no "NYT", entre aspas, citando palavra de ordem, e "Marcha das mulheres fica desagradável" no "Drudge", citando ofensas da atriz Ashley Judd a Trump.

CNN e Fox News deram cobertura, mais favorável na primeira e crítica na segunda, mas cortaram para transmitir Trump quando este apareceu na CIA. Novamente, mais do que elogios à comunidade de espiões, o político chamou a atenção dos jornalistas atacando jornalistas : "Como vocês sabem, eu estou em guerra com a mídia. Eles estão entre os seres humanos mais desonestos na Terra".

Mas Trump acabou sendo um intervalo. Não demorou para os canais de notícias voltarem às ruas -e às celebridades no protesto, quase irresistíveis. A lista era sem fim: Charlize Theron, Katy Perry, Patricia Arquette, Amy Schumer, Cher, Lena Dunham.

A transmissão saltava entre as cidades, por vezes com câmeras improvisadas, Washington, Chicago, Nova York, Los Angeles, Denver, Miami. Passou a dar estimativas da polícia sobre presença e usar construções como "manifestantes inundam cidades".

Reprodução
Protestos em Washington contra o presidente Donald Trump

OUTROS DISCURSOS
Nos protestos, de Washington ao festival de Sundance, Alicia Keys , Scarlett Johansson , Madonna e Maria Bello , esta proclamando "Pussy Power!"

'OBRIGADO'
Sites pró-Trump como "Drudge" e até "WSJ" davam manchetes digitais, à tarde, como "Dia 1: Trump começa a trabalhar!" e "age rápido contra Obamacare" -embora assessores admitissem, nos bastidores , que as medidas eram "hambúrguer de nada". O próprio Trump, no Twitter , só pensava em outra coisa: "Obrigado à Fox News e a tantos veículos jornalísticos pelas excelentes críticas do discurso!".

LÍDER INSURGENTE
Sexta na Fox News, que tanto agradou o novo presidente, Brit Hume havia descrito o discurso como "não poético, mas forte, bem Trump". E Chris Wallace , único na mídia americana a conseguir a íntegra antes da leitura por Trump, saiu comentando logo depois da transmissão: "Este foi o discurso de um insurgente, o líder de uma revolta que tomou o controle de Washington".

'AMERICA FIRST'
De maneira geral, nas capas dos jornais de sábado, a costa leste americana deu mais atenção à "carnificina", caso do "NYT". Já os do interior que elegeu Trump, como o "Columbus Dispatch" de Ohio, foram na linha "America first", a exemplo de outros mundo afora, atentos ao protecionismo. "As bolhas da costa odiaram, mas não foi escrito para elas", comentou Mike Allen, do "Axios" .

ALERTA
O inglês "Financial Times" deu "America first" na manchete e enfatizou a promessa de Trump de acabar com "estragos de outros países". O colunista Edward Luce disse que o discurso foi "alerta para o mundo: Trump pretende rasgar a ordem global criada pelos EUA". No "Times" de Londres, o colunista Matthew Parris avisou aos conservadores ingleses que flertar com Trump pode acabar mal, lembrando Tony Blair, "poodle de Bush".

CONTRA A CHINA
Steve Bannon, estrategista-chefe de Trump e um dos autores do discurso, disse ao "WP" que "seria bom se as pessoas comparassem o discurso de Xi Jinping em Davos e o do presidente Trump. Você verá duas visões de mundo diferentes". No Fórum Econômico Mundial na Suíça, o presidente chinês se comprometeu com uma "economia global aberta".

DA CHINA
O chinês "Global Times" comentou o discurso em editorial, antevendo "mudanças dramáticas": "No cenário mundial, Trump provavelmente alinhará sua política externa aos interesses corporativos dos EUA. As fricções entre os EUA e seus aliados e as tensões comerciais com a China parecem inevitáveis nos próximos quatro anos". Avaliando que Trump vai começar por "incêndios" pontuais, acrescentou: "Vamos esperar para ver quando será a vez da China".

ALEMANHA & CHINA
Falando à rede estatal alemã, ZDF, com eco por "NYT" e outros , o vice-chanceler Sigmar Gabriel viu "tons altamente nacionalistas" e "drástica radicalização" nos EUA. "Temos que nos preparar para uma viagem difícil", afirmou, detalhando em seguida: "A Europa e a Alemanha precisam de uma estratégia voltada à Ásia e à China".

LATINOS & CHINA
Não é só a Europa que pode se voltar para a Ásia, avisa o "NYT" em editorial. "Líderes da América Latina assistiram à campanha de Trump com fascínio mórbido, seguiram o período de transição com medo e, com certeza, ficaram atordoados com seu discurso inaugural", escreve o jornal, sublinhando que o México, por exemplo, "poderia fazer mais para incentivar o investimento da China e da Rússia, que estão ansiosas para fortalecer os laços com a América Latina".


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