Folha de S. Paulo


Editorial

A Folha andou publicando anúncios (http://goo.gl/eCKv1F ) com resumos de suas posições sobre temas controversos do momento. A ideia é boa porque, diante da profusão de notícias, artigos de espectros variados e até editoriais que passam despercebidos no dia a dia, é comum achar que um veículo é mais "conservador" ou "progressista" —aspas nestes termos, sempre— do que de fato é.

Com os colunistas, imagino que aconteça o mesmo. Ao menos com os que (eu) não costumam falar dos assuntos quentes da semana. Ou têm gosto por frases longas e cheias de penduricalhos argumentativos (eu de novo), que podem soar de muitas formas –nenhuma delas muito decidida.

Fica minha contribuição à transparência, portanto, em meio a mais um tolerante período eleitoral. Desigualdade: contra. Prisão de manifestantes sem provas e tortura de pobres nas delegacias: contra. Aquecimento global: contra. Câncer e ebola: contra.

Seguindo: sou a favor do Estado laico, do casamento gay, da adoção de crianças por pessoas do mesmo sexo, de tirar drogas e aborto da esfera criminal e tratá-los como problema de saúde pública.

Algumas bandeiras são mais fáceis de defender, claro. Qualquer articulista tem sua plateia, e há opiniões que funcionam como ingresso VIP para o leprosário social. Tenho certeza de que, como bom morador da zona oeste, seria menos grave defender chicotadas públicas no pastor Feliciano que o fim das leis de incentivo cultural (o que não farei, queridos, não se preocupem, até porque já fui beneficiário delas).

De qualquer modo, vamos lá: sem excluir a urgência de implantar condições humanas em cadeias e instituições para menores, além de ações sociais que ajudem a mudar as estatísticas de violência no país, não consigo endossar que um autor de crimes repetidos e graves (estupro, tortura, homicídio), aos 17 ou 60 anos, esteja de volta às ruas em tão pouco tempo como acontece hoje.

Nem aprovar controle de mídia, em especial da forma como isso provavelmente seria feito, sem separação entre Estado e governo.

Restrição a biografias e humor: só a posteriori, como reparação judicial. Plebiscitos: não quando envolvem direitos individuais. Financiamento público de campanha: duvido que melhore alguma coisa. Coisas que estão de volta e das quais a história brasileira ensinou a desconfiar: discurso gerencial/tecnocrata, retórica setentista de grande potência, messianismo acima dos partidos.

Política atual de Israel: contra. Relativismo cultural quando há direitos humanos envolvidos: contra. Feminismo: a causa é justa, e isso importa mais que discussões pequenas. Tenho resistência a qualquer ação oficial baseada em critérios raciais, mas é provável que os benefícios reais e simbólicos das cotas —ao menos por alguns anos— sejam superiores aos malefícios.

Quanto à Comissão da Verdade e à Lei de Anistia, e a par de qualquer discussão jurídica a respeito, é óbvio que o Exército precisa reconhecer seus crimes e pedir desculpas por eles.

Faixas para ônibus e bicicletas: sim. Plano Diretor em São Paulo: sem maiores ilusões de que vá reverter o estrago. Lei do Psiu em bairros que não são o meu: radicalmente contra. Vandalismo nos cavaletes que empresas de valet põem no espaço público: a empatia é um sentimento bonito e deve ser cultivado em determinadas situações.

Solução para o ensino brasileiro: não tenho. Para a saúde, para a matriz energética poluente, para o dano ambiental e social do agronegócio: talvez, mas deve ser inviável em termos econômicos. Para melhorar os índices de leitura no país, para que nosso futebol volte a ser o que era, para os picadinhos de R$ 50 nos Jardins e o vocabulário da crítica de artes plásticas e a especulação imobiliária e a pipoca gourmet no cinema: até tenho, a exemplo de tanta gente, mas é tão mais fácil nunca errar em teoria.

Por fim, e tanto quanto a liberdade de se expressar e militar por isso, é preciso defender o direito de ser cético, de usar ironia e de não ter opinião sobre tudo. De achar que os dados são insuficientes para certas conclusões. E que externar meros palpites numa coluna —ou no Twitter, ou no chuveiro— pode servir apenas para manter a imagem justa e pura que temos de nós mesmos.


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