Folha de S. Paulo


Faca de dois gumes

Muitas pessoas usam smartphones para documentar o cotidiano, mas algumas dão um passo além: criam diários públicos explícitos postando fotos, vídeos e tuítes na rede. Mas essa superexposição pode acabar sendo um tiro no pé.

Um caso recente de tal efeito colateral: as provas usadas para condenar dois estudantes americanos pelo estupro de uma garota de 16 anos --bêbada e inconsciente, numa festa-- foram fotos e vídeos do crime que eles e testemunhas, usando smartphones, postaram na internet, além de tuítes como "a canção da noite é 'Rape Me', do Nirvana".

Antes que os tuítes, as fotos e os vídeos pudessem ser deletados, uma blogueira que escreve sobre crimes os postou em seu site, forçando a polícia a investigar mais a fundo uma acusação para a qual até então faltavam provas.

Quando os estupradores, astros do time de futebol americano do colégio, foram condenados, duas colegas deles mandaram ameaças de morte à vítima pelo Twitter, evidência que foi usada para prendê-las. E 16 testemunhas que registraram o crime também podem ser acusadas como cúmplices. Cada uma delas usou celular e redes sociais para dar um tiro no próprio pé.

Brasileiros estão fazendo a mesma coisa. Um traficante carioca de 18 anos foi preso em outubro depois de postar no Facebook fotos em que posa com armas pesadas e revela ser membro da facção Comando Vermelho.

No mesmo mês, um jovem preso no Rio usou a rede social para publicar imagens de sua rotina na cadeia. Resultado: seu smartphone foi apreendido.

Em 2012, um carioca roubou um celular e o usou para tirar fotos dele mesmo. As fotos foram enviadas automaticamente ao e-mail da vítima do roubo, que reconheceu o ladrão e chamou a polícia.

O smartphone é o canivete suíço da nova geração: um aparelho de múltiplas utilidades, compacto e atraente. Mas é uma faca de dois gumes. Seu perigo sedutor me lembra do que aconteceu em 1987, quando catadores de um ferro-velho em Goiânia encontraram um aparelho de radioterapia numa clínica abandonada.

Depois de abrirem uma cápsula contendo cloreto de césio 137, um sal radiativo, os catadores e seus familiares brincaram com o pó da cápsula, que emitia um brilho azulado. Dos 49 contaminados e hospitalizados, quatro morreram.

Moral da tragédia (e dos crimes difundidos por smartphones): "Nem tudo que reluz é ouro".


Endereço da página: