Folha de S. Paulo


Humoristas são mais capazes de explicar a realidade do que jornalistas

Exibida pela HBO, a primeira temporada de "Greg News" importou a ideia, lapidada em talk shows americanos, de que humoristas são tão ou mais capazes de explicar as notícias quanto um jornalista de TV.

O programa é inspirado no "Last Week Tonight", apresentado pelo inglês John Oliver na HBO americana desde 2014. Exibido aos domingos, ele costuma compartilhar dossiês densos sobre grandes problemas do país, temperados por seus comentários afiados.

Exibida às sextas-feiras, sob o comando de Gregorio Duvivier, a versão brasileira teve apenas 20 episódios (o programa de Oliver vai de fevereiro a novembro) e também privilegiou uma abordagem mais no atacado do que no varejo dos graves problemas brasileiros.

Nascido num ano de séria crise política, "Greg News" deixou em segundo plano a miséria do cotidiano para se concentrar, de forma intransigente, e às vezes enciclopédica, na proposta de dar grandes aulas sobre nossas mazelas.

O programa agradou à HBO, que já encomendou nova temporada. Mas me pareceu um desperdício. O comediante, ator, criador do "Porta dos Fundos" e colunista da Folha foi subaproveitado, na minha opinião.

A esculhambação geral do país tem passado quase ao largo de dois talk shows diários, "Programa do Porchat" (Record) e "The Noite" (SBT), ambos apresentados por humoristas. Fábio Porchat não parece muito à vontade ao falar de política e Danilo Gentili não tem autorização de Silvio Santos para ir mais fundo neste campo.

"Conversa com Bial", formatado mais como um espaço de debates do que um talk show, tem discutido temas relevantes, mas o apresentador, o jornalista Pedro Bial, não tem o perfil de humorista provocador.

Há um claro vazio de humor político na TV brasileira. E eu imaginava que, por estar em um canal progressista e independente, Duvivier iria preencher este espaço de forma mais incisiva e relevante do que fez.

Jimmy Kimmel

O personagem das últimas semanas na TV americana foi o apresentador de um talk show até então considerado como "peso leve" num mercado que conta com humoristas como Oliver e Stephen Colbert, que estão fazendo a festa nestes tempos de Trump na presidência.

Jimmy Kimmel, dono de um programa de entrevistas no fim de noite na rede ABC desde 2003, se envolveu numa batalha com senadores republicanos em torno da proposta do governo Trump de revogar a lei conhecida como "Obamacare", que busca garantir direitos universais de saúde.

Kimmel teve um filho em maio que nasceu com um problema congênito no coração. Isso o levou a se interessar pelo drama de pessoas que, com "doenças preexistentes", não conseguem cobertura de seus planos de saúde.

Estudou com profundidade a proposta de lei apresentada por senadores republicanos para substituir a lei aprovada no governo Obama e transformou seu talk show em tribuna de combate.

O esforço de desqualificá-lo como humorista não funcionou. Kimmel se mostrou altamente preparado para debater minúcias da proposta de lei republicana e desconstruí-la. Esta semana, sem contar com o voto de alguns senadores da própria base, o partido governista desistiu de votar a nova lei no Senado.

Não foi uma vitória apenas do apresentador, claro. Mas, como observou a "New Yorker", se outros apresentadores já haviam mostrado que humoristas são capazes de substituir jornalistas, Kimmel deixou claro que eles também podem enfrentar políticos de igual para igual.


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