Folha de S. Paulo


'A Força do Querer' recupera o Ibope e mostra que o gênero ainda vive

O Brasil, como sabemos, é o país das novelas. Entre estreias e reprises na TV aberta, há hoje 17 títulos em exibição. Implacável, porém, o Ibope tem mandado alguns sinais. No caso da novela das 21h, principal produto da grade da Globo, foram dois avisos nos últimos anos de que o gênero estava vivendo uma crise grave.

O primeiro foi em 2014. No ar entre fevereiro e julho, "Em Família", de Manoel Carlos, registrou média de audiência em São Paulo de 29,63 pontos (cada ponto hoje equivale a 199.309 indivíduos). Nunca antes na história da emissora um folhetim neste horário havia ficado abaixo dos 30 pontos no maior mercado do país.

Um ano depois, deu-se o grande desastre. Exibida entre março e agosto de 2015, "Babilônia", de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, teve média de 25,45 pontos —números de uma novela das 19h.

De lá para cá, a Globo exibiu outras três tramas no horário ("A Regra do Jogo", "Velho Chico" e "A Lei do Amor"), todas com médias de audiência um pouco melhores que as de "Babilônia", mas sempre abaixo dos 30 pontos.

Este novo patamar parecia um sinal claro de que parte do público havia desistido deste formato. A estreia de "A Força do Querer", em abril deste ano, mostrou o engano desta aposta. Exibidos os seus primeiros 100 capítulos, a novela de Gloria Perez acumula média de 33 pontos, com viés de alta.

Nesta semana, nos capítulos de segunda (24) e terça-feira (25), o folhetim superou os 40 pontos de audiência —marca que, em tempos recentes, só vinha sendo alcançada em episódios finais de novelas.

De todas as fórmulas já testadas nos últimos anos para revigorar o gênero, a de Gloria Perez é seguramente a menos ousada, ou a mais regressiva.

"A Força do Querer" é centrada nas histórias de quase uma dezena de mulheres, todas bem construídas, com qualidades e defeitos, fortes e decididas. Com habilidade, mas sem promover grandes reviravoltas, a autora faz avançar lentamente cada uma das situações que criou.

Não há exatamente uma protagonista, mas quatro ou cinco. A cada capítulo, uma das histórias se sobressai sobre as demais.

Bibi (Juliana Paes) é casada com um traficante de drogas e acaba se envolvendo no mundo do crime por amá-lo cegamente. Sua antagonista é Jeiza (Paolla Oliveira), policial militar exemplar, lutadora de MMA e intolerante a qualquer forma de machismo.

Ritinha (Isis Valverde), representada à imagem de uma sereia, é bonita, sedutora e egoísta —manipula ao seu bel-prazer os dois mocinhos da novela.

Ivana (Carol Duarte) é uma jovem rica, infeliz com o próprio corpo e em processo de descoberta que se identifica com o gênero masculino.

Silvana (Lilia Cabral) é uma arquiteta rica, que coloca o casamento em risco por ser viciada em jogo.

Em toda a trama, há apenas uma personagem claramente desenhada como vilã. Irene (Débora Falabella) cometeu algum crime grave no passado e representa a usurpadora —manipulou e roubou o marido de Joyce (Maria Fernanda Cândido), uma perua preocupada excessivamente com aparência.

A audiência da novela foi beneficiada, em parte, pela desastrada decisão de SBT, Record e RedeTV! de suspenderam, no final de março, os seus sinais dos pacotes das operadoras de TV paga em São Paulo e Brasília. Mas não é só isso.

O sucesso de "A Força do Querer" mostra que ainda há lugar na TV aberta para o folhetim mais tradicional, porém bem realizado, com um pé na realidade e outro nas expectativas do público.


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