Folha de S. Paulo


Baixo ibope de debate sobre machismo e racismo não é culpa do programa

Rodrigo Peixoto/Divulgação
Karol Conká, Alexandra Loras e Yasmin Thayna no 'Conversa com Bail
Karol Conká, Alexandra Loras e Yasmin Thayna no 'Conversa com Bail'

A notícia da semana, saída dos terminais do Ibope, foi a vitória em São Paulo, na terça-feira (23), de "Mr. Nice Guy - Bom de Briga" sobre "Conversa com Bial". Confrontando-se por 39 minutos, quase a duração total do talk show da Globo, o filme do SBT venceu por 8,4 pontos contra 6,6 (cada ponto equivale a 199 mil indivíduos).

Um aspecto humilhante deste resultado é o fato de o filme com Jackie Chan, de 1997, já estar gasto de tanto passar no SBT. Tratou-se, segundo a emissora, da sua 20ª exibição.

Enquanto o herói de Hong Kong distribuía socos e dava saltos acrobáticos contra os inimigos, Pedro Bial entrevistava Alexandra Loras (ex-consulesa da França), Karol Conka (cantora), Yasmin Thayná (estudante de cinema) e Eliane Dias (produtora dos Racionais). Em comum, as quatro estão envolvidas, cada uma à sua maneira, na luta por mais visibilidade e direitos para as mulheres negras.

O controle remoto está aí para isso mesmo e a vitória de Jackie Chan sobre Bial com essa programação é um fato relevante. O que varia são as conclusões que podem ser tiradas do fato. Tenho três opiniões a respeito.

1. A necessidade de debater, em 2017, questões como afirmação da identidade negra e o poder da mulher são a prova maior de como estes temas ainda estão longe de ser consensuais. Acredito, por isso, que a resistência em admitir que racismo e machismo são problemas ainda atuais se expressa, entre outras maneiras, com o uso do controle remoto.

2. Mas isso não é assunto para a TV aberta, alguém poderá argumentar. Discordo. Por que não? É preconceito achar que a TV não pode ambicionar discutir temas relevantes, em qualquer horário. Ao contrário, tem mais é que se arriscar por assuntos difíceis e, eventualmente, não alcançar o resultado esperado em matéria de audiência.

3. Mas o formato do programa é ruim e o apresentador não tem traquejo, alguém poderá acrescentar. Discordo novamente. Ainda no primeiro mês de vida, "Conversa com Bial" está buscando encontrar uma forma própria de oferecer um mix de reflexão e entretenimento no final da noite.

Uma das experiências sendo testadas é justamente esse tipo de debate, um pouco à maneira do extinto "Na Moral", apresentado pelo mesmo Bial, no qual o contraditório ficava em segundo plano diante da necessidade de afirmar algumas posições. É perigoso fazer isso em um tempo de tanta polarização e intolerância, mas me parece necessário e corajoso.

Em resumo, perder para um filme exibido 20 vezes não é culpa de Bial nem de seu programa.

Não foi acidental que a pauta sobre racismo e poder feminino do "Conversa com Bial" tenha sido exibida numa terça-feira. Este é o dia, também, que a Globo exibe "Mister Brau", uma série de Jorge Furtado protagonizada por Lázaro Ramos e Taís Araujo.

Já em sua terceira temporada, o seriado é uma pequena joia. A sua premissa –o cotidiano banal de um cantor negro rico e bem-sucedido– chega a ser revolucionária em um ambiente como o da TV aberta brasileira, no qual negros aparecem basicamente em papéis secundários e subalternos.

Justamente na terça-feira (23), pela primeira vez, "Mister Brau" foi um pouco mais didática, ao promover uma espécie de flashback de Brau e sua mulher, Michele, ao tempo em que eram pobres e discriminados.

Apesar da altivez com que normalmente enfrenta a questão da afirmação racial, o episódio procurou lembrar que ainda há muitos problemas a resolver neste campo.


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