Folha de S. Paulo


Livro mostra o impacto e a influência da HBO sobre a produção da TV

Comentando uma notícia do UOL sobre a estreia, na próxima sexta-feira (5), de "Greg News", na HBO, um leitor deixou a seguinte observação: "Se não fosse por 'Game of Thrones' cancelava a assinatura agora... Mais uma empresa que vai se ferrar por apoiar esquerdistas".

A observação é muito interessante não apenas pelo que diz sobre o clima político no Brasil, mas também a respeito dos rumos da HBO.

O programa de Gregorio Duvivier, inspirado em um que o canal já exibe, o "Last Week Tonight", com John Oliver, chega à televisão em um momento muito particular, tanto aqui quanto nos Estados Unidos.

De um lado, a polarização política mostra que o público está cada vez mais intolerante com vozes que não se identificam com o seu ponto de vista. Esse fenômeno estimula a criação de nichos na TV, com programas buscando atrair audiência falando exatamente o que os seus espectadores querem ouvir.

Por outro lado, "Greg News" se desenha, ao menos na intenção, como um programa com o DNA da HBO -provocador, crítico e com viés progressista. "Game of Thrones" é que se caracteriza como um ponto fora da curva, um sinal de que mesmo o mais original e ousado canal de TV americano foi obrigado a fazer concessões para se popularizar.

Em "The HBO Effect", lançado em 2014, o professor e crítico Dean J. DeFino analisa o impacto que o canal teve, a partir dos anos 1990, sobre a chamada programação de "qualidade" da TV nos EUA.

O autor mostra que o modelo de negócios baseado em assinantes (em vez de publicidade) e a aposta em conteúdo inovador, a partir de séries como "Oz" (1997), "Sex and the City" (98) e "Família Soprano" (99), seguidas por outras como "A Sete Palmos" (2001) e "The Wire" (2002), colocaram a HBO em um lugar único.

Com algum entusiasmo, mas não de todo exagerado, DeFino fala em um "legado" da HBO, que pode ser visto não apenas em produções posteriores de outros canais, como "Mad Men" e "Breaking Bad", mas também no estímulo à concorrência e à criação de novos modelos de negócios, como a Netflix.

No último capítulo, apropriadamente intitulado "Vencer ou Morrer", o autor tenta justificar a aposta em "Game Of Thrones". É uma produção com um pé no mundo mágico, nada realista e distante da discussão de temas contemporâneos, como quase tudo que o canal faz.

Embora reconheça que possa parecer "oportunismo" da HBO em um momento de feroz batalha por mercados, DeFino entende que a série tem pontos de contato com o canal, como personagens com moral ambígua, ambição narrativa e produção de altíssima qualidade, que dialoga com as novas gerações.

O fato é que o canal segue se arriscando na produção de programas de bom nível, capazes de provocar discussões e polêmicas -o último episódio de "Girls", exibido há duas semanas, criou um debate ainda não encerrado entre críticos e espectadores.

Com as suas produções no Brasil, a HBO ainda não conseguiu estabelecer um marco. É possível identificar os dedos do canal em produções recentes, como "Psi", que acaba de estrear a terceira temporada, "Magnífica 70" e "O Negócio".

São séries acima da média, com temas ousados e abordagens não convencionais. Mas, talvez por características do mercado de TV paga no Brasil, não conseguiram ter maior repercussão ou influenciar outras criações. Quem sabe "Greg News" consiga.

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CORREÇÃO
O apresentador do "Jornal da Cultura", William Corrêa, foi erroneamente identificado como William Ferreira na coluna do último domingo. Peço desculpas a ele e aos leitores.


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