Folha de S. Paulo


Globo age rápido com José Mayer, mas devia ir além do marketing

Na primeira semana do "BBB17", em janeiro deste ano, o cirurgião plástico Marcos Harter, 38, foi indicado para o paredão, acusado de machismo, após ter tentado beijar à força a estudante Emilly Araujo, 18 anos mais nova. Mas escapou. Com 59% dos votos, a eliminada foi a dançarina Gabriela Flor, que cometeu um pecado mais grave aos olhos dos espectadores: se manteve distante das polêmicas, foi uma "planta", como se diz.

Na última terça-feira (4), completados 70 dias de confinamento, o "BBB17" bateu recorde de participação do público. Segundo a Globo, foram registrados quase 113 milhões de votos na disputa que resultou na eliminação do advogado Ilmar Fonseca, 38. Dois dias antes, irritado com a mesma Emilly, ele a chamou de "verme". E ainda acrescentou: "Queria pedir desculpa para os vermes". Recebeu 55,92% dos votos.

Seu adversário na disputa foi Marcos, agora namorado de Emilly. Na véspera da votação, furioso por estar na berlinda, ele destratou e ameaçou três mulheres, apontando o dedo na cara de todas. Uma delas, a para-atleta Marinalva Almeida, que não tem uma perna, temeu ser agredida fisicamente. Quem assistia à cena também temeu. A agressão, porém, ficou no campo verbal. O médico recebeu 44,08% dos votos.

Renato Rocha Miranda - 10.out.2016/Globo/Divulgação
Celebridades 10.10.2016 - José Mayer interpreta Tião em
José Mayer como Tião na novela "A Lei do Amor"

Dizendo falar em nome da direção do programa, o apresentador Tiago Leifert discursou, antes de comunicar o resultado: "Esse paredão não é sobre polarização. Não é uma luta do bem contra o mal. Ouviram bem o que eu disse? Quem vencer esse paredão não é o paladino da justiça, quem perder não é o demônio. Pode até ser pra algumas pessoas, mas elas são fanáticas e elas estão hipnotizadas".

O constrangimento da Globo não poderia ser maior. Duas horas antes, William Bonner havia lido no "Jornal Nacional", com toda a solenidade possível, a nota oficial relativa à suspensão do ator José Mayer, na qual a emissora "enfatiza que repudia toda e qualquer forma de desrespeito, violência ou preconceito".

A rapidez com que a Globo tratou do caso é digna de elogios. Foram apenas cinco dias entre a publicação da denúncia de assédio, no blog da Folha #AgoraÉQueSãoElas, e o anúncio da suspensão do ator. A americana Fox, por exemplo, demorou 15 dias para acertar a saída do seu principal executivo, Roger Ailes, em julho de 2015, depois que ele foi acusado de assédio pela âncora Gretchen Carlson.

A Globo, no entanto, não se limitou a suspender o ator. Suas áreas de marketing e responsabilidade social viram no caso uma oportunidade de promover as boas práticas da própria emissora. Em outras palavras, tentaram transformar o limão ácido numa torta de limão com muito creme.

Repisado com destaque em todos os noticiários, e também no "Vídeo Show", o fato tomou uma dimensão extraordinária. A postura da Globo pautou uma discussão pública importante, mas passou a impressão, também, de que os casos de assédio sexual na emissora começaram com José Mayer.

Outro problema, como muitos lembraram, é que o discurso não combina, frequentemente, com o conteúdo que a própria emissora exibe. As cenas mostradas no mesmo dia pelo "BBB17" não são um "estranho no ninho".

Não vejo "apelação", como diz José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, em dedicar seis minutos ao caso no "Jornal Nacional". Mas acho que a reflexão deve ir além do marketing. Não é possível ignorar que uma empresa produtora de conteúdo, a maior delas no Brasil, não tem alguma responsabilidade na forma como as pessoas agem e enxergam o mundo.


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