Folha de S. Paulo


O rei do 'trash'

Não mereceu a devida atenção no Brasil a notícia da morte, nesta última terça-feira (21), de Chuck Barris, aos 87 anos. Trata-se de um tipo algo folclórico, mas cuja contribuição para a TV americana e, por imitação, para a brasileira foi fundamental.

Barris talvez seja mais conhecido como o autor de "Confissões de uma Mente Perigosa", livro supostamente autobiográfico, transformado em filme por George Clooney, no qual ele afirma ter sido um agente da CIA, contratado para cometer assassinatos. A agência americana sempre negou o fato (mas isso também não quer dizer muita coisa).

Para quem se interessa por televisão, importa saber que Barris é o criador de algumas atrações, lançadas entre as décadas de 1960 e 1970, que se tornaram marcos de programas de auditório, entre as quais "The Dating Game" e "The Gong Show".

Por trás de tudo que inventou, está a ideia de que as pessoas aceitariam fazer qualquer coisa para aparecer na TV, um impulso que move o meio até hoje.

"The Dating Game", que Silvio Santos batizou de "Namoro na TV", até hoje é recriado e reciclado em diferentes versões, sempre com o mesmo objetivo: divertir o espectador com o constrangimento de candidatos dispostos a encontrar um amor diante das câmeras.

Já em "The Gong Show", candidatos amadores exibiam as suas habilidades artísticas para um trio de jurados, entre os quais o próprio Chuck Barris, que faziam de tudo para perturbá-los e, quando não os suportavam mais, soavam um gongo.

Convém lembrar que o produtor americano, chamado por muitos de "rei do trash", não é o inventor do mau gosto nem da humilhação pública no entretenimento.

Como lembra Sergio Cabral em sua biografia de Ary Barroso (1903-1964), o compositor de "Aquarela do Brasil" já usava o gongo para rir dos mais desafinados em seu programa de calouros no rádio, na década de 1940.

Também criado no rádio, Chacrinha (1917-1988) fez fama na TV desde a década de 1960 com a sua "buzina", que interrompia números musicais de cantores amadores. A inspiração, segundo a biografia escrita por Denílson Monteiro, foi o gongo de Ary Barroso. Flavio Cavalcanti (1923-1986) também se divertia e humilhava candidatos à fama em seu auditório.

Mas ninguém como Silvio Santos, com o seu "Show de Calouros", se aproximou tanto do conceito de entretenimento desenvolvido por Chuck Barris, baseado na exposição pública do vexame de figuras simplórias. É interessante observar como, até hoje, mesmo nos "shows de talentos" mais modernos, como "Ídolos" e "X Factor", entre outros, é comum ver candidatos horríveis nos primeiros episódios, selecionados claramente para causar efeito cômico.

A revista "Salon" lembrou que, na década de 1960, Barris dizia à sua equipe que muitos espectadores comiam enquanto assistiam TV. "Se você for capaz de mostrar alguma coisa que interrompa o garfo a meio caminho entre o prato e a boca uma vez a cada meia hora, você terá um programa de sucesso".

O obituário de Barris no "New York Times" recordou a sua falta de apreço pelos críticos de televisão. "Na minha opinião, uma crítica positiva de um game show é o beijo da morte. Se, por uma estranha razão, o crítico gostou, o público não vai gostar. Uma crítica bem negativa significa que o programa vai ficar no ar por anos."


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