Folha de S. Paulo


Nos EUA com Trump, falar de política levanta audiência de talk show

Andrew Lipovsky - 15.set.2016/AFP
This handout photo provided by NBC THE TONIGHT SHOW shows Republican Presidential Candidate Donald Trump (L) during an interview with host Jimmy Fallon in New York on September 15, 2016. / AFP PHOTO / Episodic / Andrew Lipovsky / RESTRICTED TO EDITORIAL USE - MANDATORY CREDIT
Donald Trump, em 2016, como candidato à presidência dos EUA, no programa de Jimmy Fallon

Entre os muitos efeitos produzidos pelo início trepidante do governo Trump, um é especialmente curioso. A posse do novo presidente teve impacto sobre a audiência dos dois principais talk shows de fim de noite da TV americana.

À frente do "Tonight Show" (NBC) desde fevereiro de 2014, Jimmy Fallon substituiu um dos grandes nomes do gênero, Jay Leno. Deixou o programa mais leve e infantil, com muitas brincadeiras encenadas, como a "roleta-russa do ovo", que reforçam o seu perfil de moço simpático e agradável.

Já Stephen Colbert comanda o "Late Show", na CBS, desde setembro de 2015, no lugar do lendário David Letterman. Ganhou o posto graças ao "The Colbert Report", exibido por uma década (2005-14), no qual encenava um noticiário apresentado por um comentarista de direita. Deixou de lado a ficção, mas levou para o talk show o seu olhar maroto e sarcástico.

Muito mais à vontade, e com mais estofo do que Fallon, Colbert mudou a pauta e subiu o tom dos seus comentários sobre política após a posse de Trump. Desde então, vem seguidamente batendo o rival, segundo dados do Nielsen, o instituto que mede a audiência nos EUA.

Fallon ainda é o primeiro lugar entre os espectadores na faixa preferida pelo mercado publicitário, a dos 18 aos 49 anos, mas perdeu a liderança geral e se especula que esteja sendo pressionado a temperar o seu talk show com mais política.

O fenômeno pode ser passageiro e perder força à medida que o público se habituar ao estilo Trump. Em todo caso, sinaliza que o caminho tomado pelo talk show de Fallon, o da aposta no entretenimento sem preocupação com a relevância, não é o mais adequado, por exemplo, em um momento que o espectador quer entender melhor a situação do país.

O modelo do programa de Fallon, também adotado por outros talk shows nos Estados Unidos, inspira o "Programa do Porchat", exibido de segunda a quinta na Record.

Antes de estrear a segunda temporada, agora em março, Fábio Porchat passou uma semana em Los Angeles vendo de perto a produção de alguns programas do gênero. Segundo ele, há uma preocupação geral em produzir e exibir algo capaz de repercutir nas redes sociais. "Todos eles buscam aquele um minuto que vai viralizar na internet. É a busca de todos", me disse.

Como Fallon, Porchat faz uma ou outra piada de tonalidade política, mas toma o cuidado de não incomodar ninguém ""o que acaba diluindo a crítica.

Já Danilo Gentili, começando a quarta temporada do seu "The Noite", no SBT, tentou dar algum peso político ao seu talk show, mas se viu reprimido em público por Silvio Santos: "Você é muito bom, mas precisa parar de falar de política", disse o dono da emissora ao funcionário durante o Troféu Imprensa, em 2016.

Resta a Gentili fazer piadas como esta: "Um delator contou que a Odebrecht pagou R$ 4 bilhões em caixa 2. Isso não é caixa 2. É a caixa-forte do Tio Patinhas".

A crise do país tem sido, nos últimos anos, pouco ou mal-explorada pelos talk shows de fim de noite. É verdade que Jô Soares exibiu por muitos anos, uma vez por semana, um debate político com jornalistas, as "Meninas do Jô", mas o quadro era o oposto do que se espera ver na TV de madrugada "" previsível e aborrecido.

Por opção ou injunção, os programas têm optado pela irrelevância. O que é um desperdício. Há um vazio aí, à espera de um Colbert brasileiro.


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