Entre os muitos efeitos produzidos pelo início trepidante do governo Trump, um é especialmente curioso. A posse do novo presidente teve impacto sobre a audiência dos dois principais talk shows de fim de noite da TV americana.
À frente do "Tonight Show" (NBC) desde fevereiro de 2014, Jimmy Fallon substituiu um dos grandes nomes do gênero, Jay Leno. Deixou o programa mais leve e infantil, com muitas brincadeiras encenadas, como a "roleta-russa do ovo", que reforçam o seu perfil de moço simpático e agradável.
Já Stephen Colbert comanda o "Late Show", na CBS, desde setembro de 2015, no lugar do lendário David Letterman. Ganhou o posto graças ao "The Colbert Report", exibido por uma década (2005-14), no qual encenava um noticiário apresentado por um comentarista de direita. Deixou de lado a ficção, mas levou para o talk show o seu olhar maroto e sarcástico.
Muito mais à vontade, e com mais estofo do que Fallon, Colbert mudou a pauta e subiu o tom dos seus comentários sobre política após a posse de Trump. Desde então, vem seguidamente batendo o rival, segundo dados do Nielsen, o instituto que mede a audiência nos EUA.
Fallon ainda é o primeiro lugar entre os espectadores na faixa preferida pelo mercado publicitário, a dos 18 aos 49 anos, mas perdeu a liderança geral e se especula que esteja sendo pressionado a temperar o seu talk show com mais política.
O fenômeno pode ser passageiro e perder força à medida que o público se habituar ao estilo Trump. Em todo caso, sinaliza que o caminho tomado pelo talk show de Fallon, o da aposta no entretenimento sem preocupação com a relevância, não é o mais adequado, por exemplo, em um momento que o espectador quer entender melhor a situação do país.
O modelo do programa de Fallon, também adotado por outros talk shows nos Estados Unidos, inspira o "Programa do Porchat", exibido de segunda a quinta na Record.
Antes de estrear a segunda temporada, agora em março, Fábio Porchat passou uma semana em Los Angeles vendo de perto a produção de alguns programas do gênero. Segundo ele, há uma preocupação geral em produzir e exibir algo capaz de repercutir nas redes sociais. "Todos eles buscam aquele um minuto que vai viralizar na internet. É a busca de todos", me disse.
Como Fallon, Porchat faz uma ou outra piada de tonalidade política, mas toma o cuidado de não incomodar ninguém ""o que acaba diluindo a crítica.
Já Danilo Gentili, começando a quarta temporada do seu "The Noite", no SBT, tentou dar algum peso político ao seu talk show, mas se viu reprimido em público por Silvio Santos: "Você é muito bom, mas precisa parar de falar de política", disse o dono da emissora ao funcionário durante o Troféu Imprensa, em 2016.
Resta a Gentili fazer piadas como esta: "Um delator contou que a Odebrecht pagou R$ 4 bilhões em caixa 2. Isso não é caixa 2. É a caixa-forte do Tio Patinhas".
A crise do país tem sido, nos últimos anos, pouco ou mal-explorada pelos talk shows de fim de noite. É verdade que Jô Soares exibiu por muitos anos, uma vez por semana, um debate político com jornalistas, as "Meninas do Jô", mas o quadro era o oposto do que se espera ver na TV de madrugada "" previsível e aborrecido.
Por opção ou injunção, os programas têm optado pela irrelevância. O que é um desperdício. Há um vazio aí, à espera de um Colbert brasileiro.