Folha de S. Paulo


Sumiço da política e intervenções marcam fracasso de 'A Lei do Amor'

O justo reconhecimento ao trabalho de Vera Holtz em "A Lei do Amor", publicado na capa da "Ilustrada" da última quinta (2), termina com uma indagação. Será que Magnólia Costa Leitão entrará para a galeria das grandes vilãs da teledramaturgia brasileira?

A própria atriz responde ao repórter Roberto de Oliveira: "É o tempo em que ela ficará no imaginário do público que vai garantir (ou não) um assento reservado nesse espaço. Afinal, você não recebe o troféu no começo da disputa".

Vera Holtz não diz, mas deve saber que a missão de sua personagem é das mais difíceis. Afinal, "A Lei do Amor" figura em qualquer lista das piores novelas exibidas pela Globo nos últimos anos e o seu destino é ser esquecida imediatamente.

Sou grande admirador de Maria Adelaide Amaral, autora de trabalhos de qualidade no teatro e também na TV. Mas essa sua estreia no horário das 21h foi um desastre.

Tentando entender o que aconteceu, é preciso voltar a 24 de setembro de 2015. Naquele dia, a Globo anunciou que a novela, então já em produção, prevista para estrear em 14 de março de 2016, seria adiada para outubro. A decisão foi de Silvio de Abreu, diretor de teledramaturgia da emissora.

"A novela da Maria Adelaide é muito boa e traz uma trama política que poderia ficar prejudicada por causa das eleições do ano que vem", disse Abreu em nota oficial.

"Como o Brasil tem uma legislação eleitoral muito rígida, a partir do início de junho teríamos que eliminar essa trama da novela, porque entraríamos no período em que não se pode falar de política. Achei que seria um desperdício fazermos isso."

Quando foi adiada, a novela tinha o título de "Sagrada Família". Ao estrear, em 3 de outubro, um dia depois do primeiro turno das eleições municipais, chamava-se "A Lei do Amor".

Magnólia, a personagem de Vera Holtz, era casada com Fausto Leitão (Tarcísio Meira), um empresário poderoso da fictícia São Dimas, localizada na Grande São Paulo. A novela não mostra, mas entendemos que o casal prosperou graças a relações escusas com o senador Venturini (Otavio Augusto).

No início da trama, o jornal da cidade apoiava o prefeito Augusto (Ricardo Tozzi), um homem honesto, mas o noticiário favorável era determinado pela influência de um outro empresário de má índole, Tião Bezerra (José Mayer), inimigo de Magnólia.

Inexplicavelmente, porém, a trama política de "A Lei do Amor" rapidamente ficou em segundo plano. O senador Venturini se tornou uma caricatura —um bufão inspirado muito vagamente em tipos conhecidos em Brasília. A trama do jornal sumiu. Tião Bezerra se desinteressou por política. A história da sucessão de Augusto virou uma comédia. O próprio senador desapareceu —foi cassado em uma situação quase escondida na novela.

Já não havia eleições no horizonte de "A Lei do Amor" quando os autores da novela (além de Maria Adelaide, o seu parceiro Vincent Villari) decidiram esconder todas estas tramas e focar um melodrama desinteressante —o amor de Helô (Cláudia Abreu) e Pedro (Reynaldo Gianecchini), repleto de percalços.

Nestes últimos seis meses, o noticiário foi farto a respeito de intervenções na novela, incluindo até a chegada de um novo autor, Ricardo Linhares, para "ajudar" nos "ajustes". Buscando uma audiência que jamais teve, a Globo impôs alterações bruscas no rumo de tramas, sumiço de personagens e apelações variadas. Nada deu certo.

Apenas Vera Holtz e sua Magnólia se salvaram.


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