Folha de S. Paulo


Crítico classifica atual estágio da TV nos EUA como 'era de platina'

Em seus tempos áureos, na década de 1970, a indústria musical inventou o "disco de platina", uma categoria superior, em matéria de certificação de vendas, ao "disco de ouro" dado aos artistas de sucesso.

O crítico David Bianculli foi buscar inspiração aí para tentar classificar o atual estágio da indústria de TV nos EUA. Na sua visão, "era de ouro" define o melhor da produção exibida na década de 1950, teleteatros e adaptações de grandes obras que poucos viram e se recordam. O que vivemos hoje, defende, é uma "era de platina".

Bianculli estabelece 1999 como marco do início da "era de platina".

É o ano do lançamento de "Família Soprano", de David Chase, na HBO. E também de "West Wing", de Aaron Sorkin, na NBC.

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Elenco da série 'Família Soprano', da HBO
Elenco da série 'Família Soprano', da HBO

Mas o crítico da NPR (rádio pública) vai além da celebração em "The Platinum Age of Television" (Doubleday, 576 págs., US$ 24, em inglês). Ele se propõe a apresentar uma "teoria da evolução da TV de qualidade".

"Charles Darwin tinha a sua teoria da evolução e eu tenho a minha", escreve, anunciando que o seu método consiste em identificar os elos, eventualmente perdidos, entre as séries do passado e as atuais.

É aí que reside o maior interesse, e também onde surgem os aspectos mais polêmicos, do livro. O autor estabelece um conjunto de gêneros e subgêneros e busca, em cada um, cinco programas que demonstrem a evolução da TV ao longo do tempo.

Além da análise pontual, também recorre a boas entrevistas e perfis com os principais criadores.

Um exemplo. Ele identifica uma categoria chamada "sitcoms de mulheres solteiras trabalhadoras". O marco inicial é "The Mary Tyler Moore Show" (1970-77), seguido por "The Days and Nights of Molly Dodd" (1987-91), "Murphy Brown" (1988-98), "Sex and the City" (1998-2004) e "Girls" (desde 2012).

Nunca vi a segunda, confesso, mas é uma lista que parece fazer sentido. A série protagonizada por Mary Tyler Moore (1936-2017) foi a primeira a dar destaque a uma mulher nestas condições –solteira, independente, trabalhadora–, abrindo a porteira para inúmeras outras.

São 18 categorias escrutinadas, de programas infantis a dramas médicos, passando por horror, westerns, crime e o que ele chama de "soap operas", séries em tom novelesco, como "Dallas", "Desperate Housewives" e "Empire".

Nem toda série muito querida ou popular contribuiu para a evolução da TV. É o caso, por exemplo, de "Friends", esnobada pelo autor na categoria "sitcoms de família". Os marcos deste gênero são "I Love Lucy" (1951-57), "All in the Family" (1971-79), "The Cosby Show" (1984-92), "Roseanne "(1988-97) e "Modern Family" (desde 2009).

"Friends", a propósito, tem sofrido bastante nas mãos dos críticos de TV. Agora em janeiro, a cantora e atriz Queen Latifah confirmou que a série "Living Single" está sendo refeita. Trata-se de uma sitcom com estrutura e premissa semelhantes, com a diferença que foi lançada um ano antes e todos os seus protagonistas eram negros.

"Embora 'Friends' fosse claramente um simulacro branco de 'Living Single', foi 'Friends' que se tornou a narrativa urbana dominante", escreveu o crítico Brentin Mock, do "City Lab".

Em outro texto, do ano passado, muito bem-humorado,o escritor David Hopkins desenvolve a tese de que a série, em seu anti-intelectualismo, "pode ter provocado a decadência da civilização ocidental". Nessas horas, fico preocupado se não estamos levando a televisão a sério demais.


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