Folha de S. Paulo


Superadas pelo jornalismo, novelas lutam para manter público

Ramon Vasconcelos/TV Globo
Reynaldo Gianecchini e Claudia Abreu gravam a Lei do Amor em Sao Paulo. Eles sao os protagonistas pedro e helo. ramon vasconcelos/globo ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Reynaldo Gianecchini e Claudia Abreu gravam "A Lei do Amor", novela das 21h da Globo

O lugar que a teledramaturgia ocupa na TV aberta brasileira pode ser medido em horas –exatamente 14 horas por dia. Este número representa a soma dos horários programados em um dia qualquer da última semana de 2016 por quatro emissoras para a exibição de 16 novelas. O cardápio inclui folhetins novos e reprises, produções brasileiras, mexicanas e até uma turca.

Dedicada ao gênero desde o ano de sua fundação, em 1965, a Globo transmite atualmente cinco novelas por dia e lidera a audiência com todas. Com olhos em nichos específicos, o SBT vem se dedicando desde 2012 à produção própria de tramas infantis, além de reprisar seguidamente dramalhões mexicanos.

Já a Record descobriu, em 2015, o filão da teledramaturgia bíblica, e ainda adicionou ao seu cardápio a reprise de tramas antigas e uma novela de época. Sem recursos para produzir, a Band se especializou nos últimos dois anos em exibir novelas turcas.

A importância da novela no entretenimento do brasileiro vai muito além desses números. As faculdades de comunicação e de ciências sociais já produziram uma verdadeira biblioteca com estudos mostrando o impacto da teledramaturgia na discussão de temas da atualidade, no questionamento de preconceitos e na divulgação de valores, positivos ou negativos, nos mais variados campos.

O hábito de ver novela remonta ao rádio, mas ganhou impulso poderoso com a televisão. O marco inicial é a transmissão, a partir da penúltima semana de 1951, de "Sua Vida me Pertence", de Walter Forster. A trama foi exibida pela Tupi, com capítulos novos duas vezes por semana, ao longo de dois meses.

Por causa desta data –os 65 anos da primeira novela produzida no Brasil– muito tem se falado sobre a crise do gênero. O sinal mais palpável é o da queda constante, já há anos, dos números de audiência.

Sempre que confrontada com os índices do Ibope, a Globo argumenta, em defesa do seu negócio, que o número de pessoas hoje alcançadas pelas novelas é muito maior do que há 20 anos, quando um folhetim registrava 60 pontos de audiência. Mesmo assim, quando algum capítulo marca 30 pontos, a emissora solta fogos de artifício.

Um dado do GfK, divulgado na última semana de 2016, mostrou que o jornalismo ultrapassou as novelas como principal gênero consumido na TV aberta no segundo semestre do ano.

Na soma do alcance de todos os programas de cada gênero em todas as emissoras, o jornalismo atingiu 68,9 milhões de pessoas, contra 68,7 milhões atingidas pelas novelas. Em terceiro lugar, filmes alcançaram 68,4 milhões.

A diferença é pequena, mas simbólica. Num semestre com acontecimentos extraordinários (as crises política e econômica, a Rio-2016), as novelas perderam o trono na televisão.

Mais difícil de medir é a perda de importância dos folhetins, o que também está ocorrendo. Sem conseguir conquistar público novo (que está vendo séries ou fuçando no YouTube), a Globo tem se dedicado à tarefa inglória de ao menos manter a audiência cativa. Para isso, rebaixou totalmente a ambição de suas produções.

Com raras exceções, as novelas dos últimos anos têm se dedicado a temas infantis, de fácil compreensão, ou à polêmica pela polêmica, apenas para chocar. Abriram mão de qualquer objetivo mais nobre, que já tiveram, para se agarrar a uns poucos pontinhos no Ibope.

Neste esforço para prolongar a vida útil do gênero, a Globo acaba reconhecendo, mesmo que de forma involuntária, que a situação não é boa.

mauriciostycer@uol.com.br

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