Folha de S. Paulo


Globo admite que não há como trazer espectadores de volta à TV tradicional

Demorou um pouco, mas a Globo, finalmente, aceitou que não há mais como trazer para a televisão linear parte do público que a trocou pela internet. O ano de 2016 se encerra com acenos explícitos a este espectador desinteressado em seguir a grade rígida da emissora.

No último domingo (18), no início da tarde, no intervalo de "A Cara do Pai", a Globo informou aos espectadores que o seu aplicativo on-line iria exibir às 16h30 um programa especial sobre os bastidores do "Melhores do Ano", uma atração que a emissora programou para as 17h30.

Ou seja, convidou o público a trocar a própria Globo, no momento em que estaria exibindo um filme, "O Espetacular Homem-Aranha", pelo Globo Play (acessível via laptop, smartphone ou mesmo o próprio aparelho de TV), onde poderia ver o blogueiro Hugo Gloss entrevistando atores da emissora.

A emissora também passou a antecipar, em seu aplicativo, a exibição de episódios inéditos de suas séries.

Não que a Globo tenha desistido da TV aberta. Muito pelo contrário. Ela ainda é, no Brasil, o principal motor da indústria audiovisual, na qual estão concentrados os maiores investimentos em publicidade e os principais esforços de criação.

Mas me parece altamente simbólico o reconhecimento de que é preciso competir no mesmo campo em que outras gigantes já estão nadando de braçada.

A Amazon, por exemplo, acaba de lançar o seu serviço de vídeo por streaming em 200 países. Ainda que o conteúdo oferecido deixe a desejar, convém lembrar, como fez o jornalista Andre Mermelstein, do Teletime, que o faturamento da Amazon é 15 vezes superior ao da Netflix -e, portanto, a sua capacidade de investir em conteúdo próprio e licenciamento é enorme.

Nos Estados Unidos, a "velha mídia" já se deu conta, há mais tempo, da necessidade de se adequar aos novos tempos. O anúcio da compra da Time Warner pela AT&T em outubro, por US$ 85,4 bilhões, foi o sinal mais recente -e eloquente- de que é preciso se armar para a guerra.

Como disse Randall Stephenson, principal executivo da AT&T, assumir o controle da HBO e da Warner Bros., entre outros ativos, vai permitir à empresa oferecer conteúdo de vídeo on demand de maneira a compensar as perdas com a divisão de TV via satélite do grupo, a DirecTV.

Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, a legislação brasileira não permite que uma mesma empresa atue na produção de conteúdo e na sua distribuição, o que obrigará a AT&T, caso a fusão seja aprovada, a vender a Sky no Brasil. Trata-se da segunda maior empresa de TV por assinatura no país, com 5,3 milhões de assinantes.

No final de novembro, a AT&T lançou nos EUA o DirecTV Now, um serviço de streaming com 60 canais, incluindo alguns considerados indispensáveis, como ESPN e Disney, por US$ 35 mensais (cerca de R$ 115).

Como observou o "New York Times", é um serviço claramente dirigido aos "cortadores de cabo", ou seja, consumidores que desistiram de pagar por TV a cabo (ou satélite), mas dispõem de internet banda larga.

A associação entre plataformas que oferecem conteúdo audiovisual e provedores de internet, sem vinculação a operadoras de TV paga, é outra tendência dando seus primeiros passos no Brasil. A HBO lançou o seu serviço, seguida pela Crackle, ambas ainda limitadas a alguns Estados.

A crise econômica ainda ajuda quem aposta no atraso, mas o ritmo das mudanças parece mais acelerado do que nunca.


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