Folha de S. Paulo


Fim do 'Programa do Jô' levanta a questão: por que mesmo vai acabar?

Ao anunciar, em fevereiro, que esta seria a última temporada do "Programa do Jô", a Globo talvez tivesse duas intenções: oferecer ao programa a oportunidade de se preparar adequadamente para a despedida e permitir que o público se acostumasse, sem susto, com a ideia.

O plano funcionou bem na medida em que esta foi uma das melhores, talvez a melhor, das 16 temporadas de Jô Soares na Globo.

Ele sai por cima, admirado, respeitado, com audiência boa e o prestígio em alta.

Mas esta estratégia teve, por isso mesmo, um efeito inesperado. Recolocou em pauta, com vigor, uma questão incômoda: por que mesmo o "Programa do Jô" vai acabar?

A resposta mais simples, a que exige menos reflexão, é a que aceita como irrevogável a "lei da indústria do entretenimento". Implacável em sua exigência de renovação e sangue novo, esta lei sempre moveu o show business, o que inclui, naturalmente, a cada vez mais competitiva TV brasileira.

Como lembrei na "Ilustrada" em fevereiro, dois "colegas" de Jô, mais jovens do que ele, foram vítimas recentes desta mesma lógica.

Jay Leno encerrou sua carreira como apresentador de talk shows em fevereiro de 2014, pouco antes de completar 64 anos. David Letterman se aposentou em maio de 2015, aos 68 anos.

Aos 78, Jô trabalhou 28 anos como apresentador de talk shows (os primeiros 12 no SBT). Esta longevidade está diretamente ligada ao seu talento peculiar, à sua capacidade de entrevistar/conversar com todo tipo de gente.

Como Letterman e Leno, Jô sempre entendeu que o coração de um programa deste gênero é a boa entrevista –o humor e a música são complementos. Neste aspecto, os três representam uma tendência em baixa hoje na TV aberta.

Os dois jovens que atualmente disputam audiência com Jô (Danilo Gentili no SBT e Fábio Porchat na Record) deixam isso bem claro. Já Pedro Bial, que deve ocupar o final das noites na Globo, certamente irá em uma outra direção.

Nenhum dos três será um novo Jô simplesmente porque este é um gênero que não deixa sucessores.

Não é à toa que os principais programas deste gênero incluem o nome dos apresentadores no título.

O que faz a diferença num talk show é este atributo difícil de categorizar, que inclui não apenas as qualidades, mas também eventuais idiossincrasias e cacoetes de quem comanda.

Em 2016, Jô Soares reescreveu a "assinatura" usada para a abertura do programa e passou a repeti-la diariamente: "Está começando mais um 'Programa do Jô' em sua última temporada na Globo".

De caso pensado ou pura intuição, não sei, com esta nova frase ele reverteu a seu favor o anúncio da emissora de que o programa tinha data para acabar.

Criou um clima emocional único, que serviu como estimulante a todos que se sentaram no sofá do estúdio (full disclosure: fui entrevistado em maio, à época do lançamento do livro "Adeus, Controle Remoto", ed. Arquipélago Editorial).

Por um lado, toda entrevista se tornou uma despedida, uma chance de dizer "as últimas palavras" para Jô na Globo. E, por outro, a frase se fixou como um lembrete comovente de que o apresentador não entregou os pontos e tem a intenção de continuar fazendo o seu talk show. Espero que consiga.


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