Folha de S. Paulo


Por conteúdo viral, TV abre as portas para políticos com ideias extremadas

As primeiras avaliações de culpa e mea-culpa pela eleição de Trump apontam dois vilões: o Facebook, pela ajuda na propagação de notícias falsas, e a velha mídia, pela incapacidade de prever a extensão do fenômeno eleitoral que o empresário representava.

Há um terceiro aspecto neste triunfo que tem recebido menos atenção do que merece, e diz respeito à área de interesse desta coluna.

Na boa definição de Andrew Marantz, da revista "The New Yorker", Trump foi um "candidato viral". Ensaiando a candidatura desde 1987, ele percebeu as condições ideais para alçar voo a partir de 2011, quando começou a questionar, por meio de sua conta no Twitter, por que Obama não mostrava a certidão de nascimento.

Aprimorada em 2015, quando acusou imigrantes mexicanos de "estupradores", a estratégia de Trump foi combinar de forma eficiente o uso das redes sociais com aparições na mídia tradicional, causando uma espécie de repercussão contínua ("feedback loop").

Para isso, e aí entro no ponto que me interessa mais de perto, o empresário sempre contou com a benevolência dos jornalistas e da TV. "Durante décadas, Trump recebeu mais atenção da mídia do que seria necessário se o único critério fosse jornalístico", escreve Marantz.

"Editores de jornais e produtores de TV sempre foram suscetíveis ao sensacionalismo e à busca de audiência, mas seus impulsos mais baixos, às vezes, são reprimidos por pessoas mais nobres", observa ele, antes de constatar que nos dias atuais o critério de qual notícia merece ser impressa ou ir para o ar está cada vez mais vago.

Na era das mídias sociais, o conceito de interesse público mudou: "Conteúdo capaz de evocar altas emoções é mais viral, e o conteúdo viral ganha".

Mais do que qualquer outra plataforma, a televisão é, ainda, a ferramenta mais poderosa que os políticos dispõem para atingir o eleitor. Para tipos como Trump, aparecer em programas jornalísticos, mesmo respondendo a perguntas incômodas, é bom. Em sua campanha vencedora, o candidato conseguiu se indispor até com a Fox, a mais conservadora das emissoras.

Mas ótimo mesmo é ter espaço na área de entretenimento. Para "evocar altas emoções", vale qualquer coisa, mesmo as aparentemente ridículas. A muito comentada entrevista de Trump a Jimmy Fallon, na qual o apresentador mexeu no cabelo do candidato, é apenas um entre os muitos exemplos sobre como a TV pode ajudar a moldar ou consolidar imagens.

Não vejo no Brasil nenhum político com o mesmo talento "artístico" de Trump, mas há vários aprendizes na área. Eles contam com a benevolência de muita gente dentro da televisão, bem-intencionada ou não, que manifesta disposição de levar ao ar conteúdo com potencial de "viralizar".

Um exemplo, entre outros, é o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), pré-candidato à presidência da República em 2018. Com posições extremas, seja em favor de agentes da ditadura militar, seja de conteúdo visto como machista e homofóbico, o político está construindo uma carreira impressionante em programas de TV.

Chamado para defender suas posições "polêmicas", ou fazer contraponto a pontos de vista "liberais", Bolsonaro é um campeão, entre os seus pares, de aparições em programas como o "SuperPop", apresentado por Luciana Gimenez, na RedeTV!. Como Trump, ele sabe que a exposição, seja qual for, é sempre benéfica.


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