Folha de S. Paulo


'Magnífica 70' surpreende e 'Nada Será como Antes' dá o que público quer ver

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Murilo Benício e Debora Falabella em cena da série 'Nada Será Como Antes
Murilo Benício e Debora Falabella em cena da série 'Nada Será Como Antes'

Uma série ambientada em uma emissora de TV carioca em meados da década de 1950, criada e desenvolvida por Guel Arraes, Jorge Furtado e João Falcão, com direção de José Luiz Villamarim e fotografia de Walter Carvalho. No elenco, Murilo Benício, Débora Falabella e Bruna Marquezine.

Temos aí um tema sensacional, tocado por uma espécie de "dream team" da Globo. Não tinha como dar errado –e não deu. É um produto, para usar a linguagem de quem lida com números, redondo. Está tudo lá, no lugar, direitinho.

Mas, a começar pelo título, "Nada Será como Antes", tudo é também altamente frustrante nesta série. A produção impecável glamourizou um ambiente que, segundo todos os relatos, era tão precário quanto criativo. Os principais conflitos são de novela das 18h –amor e ciúme entre atores, executivos de TV e patrocinadores.

Em uma cena do terceiro episódio, o dono da fictícia TV Guanabara, Saulo (Benício), tenta convencer o diretor de uma telenovela baseada em "Anna Karenina" a mudar o perfil de uma personagem. Aristides (Bruno Garcia) é contra, num primeiro momento, dizendo que o público não vai aceitar, mas é convencido diante de um argumento irrefutável: "Existem duas formas de agradar ao público. Uma é dando o que eles querem. A outra é surpreendendo".

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Marcos Winter como o censor Vicente da série da HBO 'Magnífica 70
Marcos Winter como o censor Vicente da série da HBO 'Magnífica 70'

Não é possível deixar de ver na frase uma autoironia dos autores do roteiro. É nítida, na série, a falta de ambição e de coragem para surpreender o espectador.

Até o momento, "Nada Será como Antes" evitou desenvolver tramas menos óbvias ou personagens mais ambíguos.

Também é frustrante constatar que os primórdios da televisão são mero pano de fundo, quando este tema poderia muito bem ser um elemento central na história.

Com padrão impecável, mas conteúdo simples e óbvio, "Nada Será como Antes" me parece um recuo em relação a outros projetos bem mais ousados de ficção seriada da Globo.

Por outro lado, é preciso registrar o vigor mantido por "Magnífica 70" em sua segunda temporada. Dirigida por Claudio Torres, da Conspiração, e exibida pela HBO, a série é um exemplo de produção de qualidade, com tema original e o desejo de não apenas satisfazer um público mais exigente, mas de surpreendê-lo, de fato.

A série acompanha as aventuras do censor Vicente (Marcos Winter), que se torna roteirista e produtor de filmes de baixo orçamento na Boca do Lixo, na década de 1970. Há, também, a atriz Dora (Simone Spoladore), transformada em musa da pornochanchada, o atarantado produtor Manolo (Adriano Garib), e a enigmática Isabel (Maria Luiza Mendonça), filha de um general que abusava sexualmente de sua irmã.

Assim como na primeira temporada, exibida em 2015, a trama se serve de uma realidade histórica (a criação cinematográfica em um período de ditadura militar) para dar um salto arriscado –um drama carregado nas tintas, pleno de deboche, sobre esses quatro tipos meio malucos, agora envolvidos em um crime.

Exibidos os primeiros três episódios desta nova safra (domingos, às 22h), é visível como "Magnífica 70" se sente à vontade, tanto no texto quanto na encenação, para brincar com gêneros e clichês do cinema e da TV, enquanto se lembra de uma época sombria. É entretenimento de ótimo padrão.


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