Folha de S. Paulo


O vazio político deixou mais visível papel institucional da Globo

Sem Dilma, afastada, e sem Temer, alérgico a vaias, o Brasil foi representado institucionalmente na Rio-2016, de maneira mais visível, pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, e pela Globo.

Não é a primeira vez que a maior emissora do país empresta sua marca a grandes eventos, mas nunca antes o seu envolvimento foi tão grande, tanto em matéria de recursos quanto de produção de conteúdo.

A Globo não divulgou os números do investimento, incluindo o gasto com o patrocínio, mas não fez questão alguma de esconder que se tratou da maior aposta de sua história.

Símbolo maior desta ostentação, o estúdio da emissora ocupava o ponto mais central –e visível– do Parque Olímpico da Barra.

Quando o francês Renaud Lavillenie culpou as vaias do público brasileiro por sua derrota no salto com vara, e associou o episódio aos apupos que Jesse Owens recebeu no Estádio Olímpico de Berlim, em 1936, coube à Globo, e não ao COB (Comitê Olímpico do Brasil), colocar panos quentes no episódio.

Lavillenie foi ao estúdio da emissora dar uma entrevista a Marcos Uchôa. Antes mesmo de fazer qualquer pergunta, o repórter se desculpou, criticando os que vaiaram o atleta francês: "O público brasileiro não conhecia muito bem o protocolo, a maneira de se comportar nesta competição particular, que é muito difícil e perigosa", disse.

Em seguida, tomando as dores do Brasil, ofendido com a comparação indevida com a Alemanha nazista, Uchôa lembrou a Lavillenie que até hoje jogadores brasileiros são chamados de "macaco" em gramados europeus.

Sem maior função no time olímpico da emissora, Tiago Leifert se ocupou do Twitter. O ex-apresentador do "Globo Esporte" passou a Rio-2016 postando comentários com críticas à Folha, UOL e ESPN, acusados de fazer uma cobertura "azeda" dos Jogos.

Como se fosse assessor de imprensa do COB, Leifert lamentou e ironizou as reportagens que continham pontos de vista críticos em relação ao desempenho de atletas do Brasil em competições.

Mas foi Galvão Bueno quem encarnou melhor o papel de chanceler da Globo no evento. Já há alguns anos ele é mais que um narrador, mas agora assumiu, de fato, este lugar único, quase onipresente –é âncora, comentarista, conselheiro de atletas, porta-voz e chefe de torcida.

Ao final da cerimônia de encerramento, por sete minutos, ele leu um texto que procurou sintetizar a visão do grupo sobre o seu investimento nos Jogos. Quase chorando, Galvão falou do Rio como "a cidade redescoberta". Deixou explícito, de forma piegas, o tom paternalista e pouco jornalístico da cobertura: "Vimos que a ginasta Flavia Saraiva não perdeu a medalha; ela ganhou o quinto lugar".

Esbanjou otimismo: "Aprendemos que o Brasil é um país em eterna descoberta de seus valores éticos e humanos". E, por fim, sugeriu que a Rio-2016 foi uma espécie de UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) esportiva, capaz de colocar o país em ordem.

"O esporte é a ferramenta que faz Rafaela Silva, nascida na pobreza da Cidade de Deus, e o supercampeão Bernardinho, filho da classe média carioca, dividirem o mesmo sonho e chegarem ao mesmo lugar", disse Galvão.


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