Folha de S. Paulo


TVs abusaram do esforço para fazer o espectador chorar na Rio-2016

Em 1987, muito antes deste assunto ser discutido no Brasil, o filme "Nos Bastidores da Notícia" fez uma crítica dura à transformação do jornalismo da televisão em uma ferramenta do entretenimento.

Em uma das cenas mais famosas, o âncora Tom Grunick (William Hurt) ouve o depoimento emocionado de uma mulher e, depois, com a ajuda da edição, acrescenta uma imagem, gravada posteriormente, em que ele também aparece chorando.

Divulgação
Albert Brooks, Holly Hunter e William Hurt em cena de 'Nos Bastidores da Notícia', de 1987
Albert Brooks, Holly Hunter e William Hurt em cena de 'Nos Bastidores da Notícia', de 1987

A fraude tem o objetivo de fazer o espectador do noticiário acreditar que o jornalista se emocionou ao ouvir a história. "É uma inacreditável quebra de ética", diz a produtora Jane Craig (Holly Hunter).

Descontados vários exageros, "Nos Bastidores da Notícia" é especialmente feliz ao enfatizar um aspecto caricatural do jornalismo de TV -a obsessão com "histórias humanas", emocionantes.

A cobertura dos Jogos Olímpicos no Rio mostra a atualidade da visão do cineasta e roteirista James L. Brooks sobre o tema. Nunca tanta gente na TV brasileira chorou narrando e comentando competições esportivas quanto nestes dias de agosto de 2016.

Não estou nem falando de repórteres que, de forma aparentemente obrigatória, colocam o microfone na cara de esportistas extenuados e perguntam, para vencedores e para perdedores: "Está emocionado?".

Falo da infinidade de narradores e ex-atletas (fazendo bico como comentaristas em meia dúzia de canais) que se esgoelaram nestas duas semanas procurando convencer o espectador de que todos os atletas brasileiros são heróis, merecedores de nossa mais efusiva alegria e compaixão.

Talvez fosse mais fácil enumerar aqueles que mantiveram a sobriedade e conseguiram equilibrar informação e emoção em doses aceitáveis. Na Globo, o carrancudo William Waack, sempre preocupado com a crise política, talvez tenha sido o único a não derramar lágrimas por nossos heróis.

A cobertura da NBC foi criticada por ser uma espécie de "America's Got Talent", ou seja, por só tratar de atletas americanos medalhistas, ignorando os rivais estrangeiros. A das TVs brasileiras não foi muito diferente, com o detalhe que os atletas daqui perderam muito mais do que ganharam.

Isso transformou até partida de tênis de mesa em "evento épico", "batalha da superação" etc. Pais de atletas, personagens essenciais nestes dramas, estiveram presentes nos melhores momentos.

É justo relativizar as realizações dos brasileiros em função de suas trajetórias, mas cansa ver, a toda hora, um oitavo lugar virar "resultado espetacular".

É natural que o patriotismo aflore com exuberância em Jogos Olímpicos. Mas o exagero que ocorreu na TV salienta algum tipo de insegurança dos executivos das emissoras. Como se o espectador precisasse de alguém que o orientasse sobre a necessidade de se emocionar e o momento de chorar.

A NOVA AUDIÊNCIA
A rede americana NBC tem exibido números de audiência inferiores aos obtidos em Londres-2012. O grupo de mídia avalia, porém, que essa queda se deve ao público que tem preferido acompanhar as competições pela internet, por meio de aplicativos da própria emissora.

Na soma da TV tradicional com o streaming, o resultado da NBC no Rio é semelhante ao de Londres. "As pessoas estão apenas consumindo os Jogos de forma diferente", disse Timo Lumme, diretor de televisão do COI.


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