Folha de S. Paulo


Jornalismo esportivo 'fofo'

Concluindo um relato sobre a performance da seleção feminina de vôlei do Brasil contra a Holanda, o repórter Pedro Bassan mostrou máscaras das jogadoras Thaisa e Fabiana e informou: "Elas chegam sorrindo, jogam sorrindo e no fim do jogo só não estão sorrindo ainda mais porque a alegria está congelada na foto".

Ao final da reportagem, exibida no "Jornal Nacional" de sábado (9), ainda impressionado com tanta "fofura", pensei: imagine nos Jogos Olímpicos.

Não foi preciso esperar tanto. Já na segunda-feira (11), o telejornal estreou uma série especial de reportagens destinada a "homenagear" atletas olímpicos brasileiros e, também, como informou William Bonner, aproveitar a oportunidade para "revelar a história, o talento e o empenho de cada um".

Bassan começou assim: "Ginástica! Um outro jeito de ver o mundo". Com música instrumental ao fundo, surgiram imagens de argolas balançando no ar. Ouviu-se, então, a voz do repórter, que declamou: "E até de ponta-cabeça aparecem as maravilhas do Brasil: o céu, o vento e Artur Zanetti."

Em outro momento, ao longo dos dez minutos da reportagem, o espectador foi levado à rua onde Zanetti brincava na infância. Em uma situação encenada, bem teatral mesmo, o atleta passou andando em direção oposta ao repórter, como se fossem dois desconhecidos. E Bassan concluiu a narração informando: "Transformou uma rua sem saída num horizonte do tamanho do mundo."

Além da família, a namorada do atleta também foi apresentada: "Mais forte que Arthur Zanetti, só o amor. Há cinco anos conheceu Juliana numa festa. Foi vencido na hora. Desde então o campeão do mundo revelou-se um dos maiores beijoqueiros do mundo".

Vou poupar o leitor da descrição de outras reportagens (ou "episódios", como disse Sandra Annenberg) sobre "os nossos personagens olímpicos". Acho que já deu para entender aonde este tipo de noticiário, com um pé em novela mexicana, quer chegar —no coração do espectador.

É um propósito bonito, comovente até, mas que pode levar quem assiste a ficar com uma imagem errada não apenas da trajetória de Zanetti como do próprio jornalismo esportivo.

Como a grande maioria das modalidades esportivas olímpicas, o atletismo brasileiro padece de enormes e graves problemas, de todas as ordens. A trajetória de Zanetti, como se sabe, é um caso excepcional, que está longe de configurar regra.

Nada contra louvar o desempenho do atleta, mas fazer isso com poesia e teatro, e não com bom jornalismo, pode até provocar lágrimas e angariar pontinhos no ibope, mas nada além disso.

BOMBANDO NO IBOPE

A Globo não considera correto creditar apenas às novelas das 18h e das 19h30 o crescimento de sua audiência no primeiro semestre de 2016, como escrevi no último domingo ("Diversão em tempos de crise", 10/7). A emissora informa ter registrado, no período, aumentos em todas as faixas horárias e em vários outros programas.

Observo, porém, que a informação sobre o impulso dado por essas duas novelas ao Ibope da Globo foi divulgada pela própria emissora e publicada, sem contestação, na coluna Outro Canal, em julho.


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