Folha de S. Paulo


Velho Benedito

No ano em que comemorou 25 anos, a Rede Globo sofreu um dos mais duros golpes da concorrência. A novela "Pantanal", que estreou em 27 de março de 1990 com 13 pontos no Ibope em São Paulo, atingiu 41 no capítulo final, em 11 de dezembro.

Ao longo destes dez meses, a Globo fez todo tipo de mudança em sua grade, no esforço de combater a novela da Rede Manchete. Não conseguiu, porém, evitar que a trama de Benedito Ruy Barbosa registrasse a excelente média de 34 pontos ao longo de sua exibição.

A história de como isso aconteceu é bem conhecida. Benedito, então autor da Globo, apresentou o projeto de uma novela ambientada no Pantanal em meados dos anos 80, depois de uma viagem à região. A emissora nunca disse "não", mas jamais aprovou a ideia.

Como contou o autor a Maria Carmem Jacob de Souza, em "Telenovela e Representação Social" (E-papers, 2004): "Não é que a Globo tenha recusado o projeto, mas toda vez que o apresentava, ficava para depois. No sétimo ano eu me cansei. Saí para a TV Manchete, que resolveu bancar".

Com paisagens deslumbrantes, muitas cenas de nudez, uma história que misturou romance, mistério e o sobrenatural, a trama de Benedito, dirigida por Jayme Monjardim, foi mais que um fenômeno de audiência. Como mostram Arlindo Machado e Beatriz Becker em outro estudo acadêmico dedicado ao tema, "Pantanal, a Reinvenção da Telenovela" (Educ, 2008), o folhetim expôs a necessidade latente que havia de renovação do gênero no Brasil.

Como se sabe, a Manchete nunca mais fez nada de tão grandioso e, atolada em dívidas, deixou de existir em 1999. Benedito voltou à Globo, onde fez várias outras novelas marcantes, como "O Rei do Gado", "Renascer" e "Terra Nostra".

Em 2002, escrevendo "Esperança", enfrentou problemas de saúde e não conseguiu terminar o trabalho, sendo substituído por Walcyr Carrasco. O autor tinha então 71 anos e, para muitos, o fracasso daquela novela sinalizou a sua decadência.

De fato, "Esperança" foi o último texto original de Benedito. Nos dez anos seguintes, ele apenas supervisionou o remake de algumas velhas novelas suas –"Cabocla", "Sinhá Moça" e "Paraíso"– até que, em 2014, um antigo parceiro, o diretor Luiz Fernando Carvalho, apostou na releitura de "Meu Pedacinho de Chão", exibida no horário das 18h.

O espetacular resultado deste trabalho mostrou, mais uma vez, que a telenovela tem condições de se reinventar. Não bastasse, em 2015, o horário vespertino da Globo foi sacudido positivamente pela reprise (a segunda) de "O Rei do Gado".

Aos 84 anos, Benedito conseguiu, então, a aprovação para tocar, para o horário das 18h, um outro antigo projeto seu, "Velho Chico", uma história ambientada nas margens do São Francisco, que trata de conflitos por conta da transposição do rio.

Eis que, há poucos dias, a Globo anunciou que "Velho Chico" foi promovido e será o próximo folhetim das 21h, em substituição a "A Regra do Jogo".

O novo status do autor ocorre, não por coincidência, no ano em que a Globo, comemorando os seus 50 anos, sofre um revés tão impactante quanto enfrentou com "Pantanal", agora por causa da novela "Os Dez Mandamentos", da Record. É uma boa notícia saber que as fantasias do velho Benedito, sempre ancoradas em crítica social, ainda têm lugar na televisão.


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