Folha de S. Paulo


Aula de roteiro

No seu esforço para formar bons roteiristas, a Globosat convocou mais uma vez ao Brasil o professor Robert McKee, uma espécie de guru no assunto, que deu o seu famoso curso para mais de 300 profissionais no Rio.

Na véspera da abertura, McKee foi questionado pela Folha sobre a qualidade das séries brasileiras. Criticando uma das melhores exibidas pela Globo em 2013, a sua resposta vale por um curso inteiro:

"São 'ok', mas ainda precisam melhorar muito! Assisti a 'O Canto da Sereia'. O problema é a falta de subtexto. As séries boas têm algo que não é dito, mas somente sugerido. O espectador entende a expressão do rosto do personagem. No Brasil, não existe isso. Eles fazem os personagens explicarem os sentimentos e as ações. A inteligência do público é subestimada. Os roteiristas acham que, se não fizerem isso, as pessoas não irão entender. Quando confiarem no telespectador, a qualidade vai melhorar."

A estreia, quase simultânea, agora em janeiro, de duas séries policiais, "True Detective", na HBO, e "A Teia", na Globo, ajuda a entender o que McKee está falando.

Criada por Nic Pizzolatto, a série americana começa em 2012, com o ex-investigador Martin Hart (Woody Harrelson) dando um depoimento gravado a dois policiais sobre o seu antigo colega de trabalho, Rust Cohle (Matthew McConaughey). "Estranho? Rust brigaria com o céu se não gostasse do tom de azul", ele diz.

Na cena seguinte, os mesmos dois policiais questionam Cohle, que entende logo do que se trata. "O assassinato do ritual oculto", ele diz. O ex-investigador acende um cigarro. "Não pode fumar aqui", diz um dos entrevistadores. "Não sejam idiotas. Vocês querem ouvir a história ou não?" E segue fumando.

Na cena seguinte, Hart e Cohle estão em 1995, num carro da polícia, a caminho de uma cena de crime, em Louisiana. A dupla encontra uma cena macabra: uma mulher morta, nua, de joelhos, amarrada junto a um tronco, com uma coroa de galhos e ossos na cabeça.

Ao longo do episódio, oscilando entre os dois tempos, por 50 minutos, acompanhamos os primeiros passos da investigação e vamos conhecendo a vida dos investigadores. Nenhuma música ou cena de ação preenche a narrativa; só diálogo e dois grandes atores.

Na última cena, o espectador entende que a dupla de policiais que interroga Hart e Cohle em 2012 está investigando um crime semelhante e desconfia que o criminoso possa ser o mesmo do caso ocorrido 17 anos antes. "Como pode ser ele se o prendemos em 1995?", pergunta Cohle. "Achamos que você poderia nos responder isso", diz um dos policiais. "Então comecem a fazer as perguntas certas, porra!"

Tenho o maior respeito por Bráulio Mantovani e Carolina Kotscho, mas na comparação com o piloto de "True Detective" o primeiro episódio de "A Teia" é um exercício colegial.

Entupida de cenas de ação, câmera "nervosa" sem motivo nenhum, música a todo momento e alguns diálogos inaudíveis, a estreia da série da Globo foi uma decepção. A promessa de um mergulho na alma dos protagonistas -um delegado da Polícia Federal (o ótimo João Miguel) e um assaltante (Paulo Vilhena) -ficou apenas na intenção. Que Robert McKee não veja isso.


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