Folha de S. Paulo


Mercosul e UE estão na linha de chegada; é agora ou nunca

Quando os presidentes pousaram em Buenos Aires no domingo passado para a reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), estavam confiantes de que sairiam de lá com um acordo redondo: depois de duas décadas de negociações frustradas, Mercosul e União Europeia anunciariam um amplo esquema de liberalização comercial entre os dois blocos.

Depois de tanto tempo, o acordo seria um feito histórico e uma contribuição genuína à governança global, numa época em que o governo americano ameaça os pilares do livre-comércio.

No Brasil e na Argentina, o acordo seria a consagração de uma batalha épica –a vitória das forças do progresso contra as bancadas protecionistas que operam para manter grandes grupos econômicos enquistados no Estado, vivendo de rendas e privilégios, em detrimento da renda e do emprego da maioria da população.

No quilômetro final da corrida, porém, os atletas colapsaram. Quando os europeus pediram uma abrangência para o acordo de 90% do fluxo comercial, o Mercosul estendeu a mão. Quando os europeus pediram velocidade –80% das tarifas teriam de cair em até 10 anos; o resto, em até 15 anos–, o Mercosul pediu cotas agrícolas em troca. Como os europeus não conseguiram passar o bastão, o Mercosul tampouco entregou a velocidade.

Para retomar a corrida, as partes terão de sentar de novo à mesa para negociar, numa rodada focada em velocidade por cotas agrícolas. É impossível prever com exatidão o ritmo da retomada. Os otimistas querem fevereiro. Os céticos exalam frustração.

A única coisa líquida e certa é a existência, hoje, de astros alinhados. Foi possível chegar até este ponto em Buenos Aires porque há uma rara constelação favorável ao acordo.

Primeiro, os erros de Trump: ao abandonar a Parceria Transpacífico, o presidente fez a União Europeia querer negociar com o Mercosul. Segundo, os erros de Dilma: a bancada protecionista do Brasil sentiu na pele os custos de seu próprio vício e deu sinal verde ao Executivo para avançar. Terceiro, Brexit : quando Londres anunciou interesse em negociar com o Mercosul, Bruxelas saiu da encolha. Quarto, Alemanha e Espanha jogaram seu peso em favor de um acordo, mitigando a força dos grupos protecionistas da Europa. Quinto, um pequeno grupo de funcionários do Itamaraty e do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços atuaram em sintonia, fazendo um trabalho exemplar. Sexto, Mauricio Macri e Michel Temer entendem que comércio livre é uma alavanca para recuperar as respectivas economias, consolidando as coalizões que os sustentam.

O acordo está quase na linha de chegada. É agora ou nunca.


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