Folha de S. Paulo


Áudios de Joesley revelam vícios do Judiciário

Pedro Ladeira-31.ago.2017/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 31-08-2017, 14h00: Sessão plenária do STF, sob a presidência da ministra Carmen Lucia. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
Sessão plenária do STF, sob a presidência da ministra Cármen Lúcia

O último áudio de Joesley Batista é a melhor ilustração disponível até o momento sobre o funcionamento de partes do Judiciário em nossa democracia.

Desesperado para obter um acordo de delação premiada junto ao procurador-geral da República, o empresário narra os detalhes de sua estratégia: bastaria mobilizar os serviços de um ex-ministro da Justiça detentor de informações privilegiadas sobre os vícios escusos dos membros da suprema corte para pôr o Judiciário contra a parede. "Temos de ser a tampa do caixão", vaticina o campeão nacional.

Como ocorre quando uma omertà é desestruturada, a estratégia de sobrevivência dos mafiosos é partir para o tudo ou nada, uns contra os outros.

Em seu monólogo, Joesley detalha aquilo que o país vem aprendendo desde o escândalo do mensalão, há uma década. Na cúpula do Judiciário, podem valer regras que não são necessariamente as de independência e imparcialidade, mas de representação de interesses, de costura de acordos com a classe política e empresarial e de falta geral de accountability (a obrigação que, numa democracia, as autoridades têm de prestar contas a instâncias efetivas de controle). Em suma, os áudios revelam bolsões no Judiciário de práticas típicas dos sistemas de Justiça de regimes não democráticos.

A pergunta é simples: como se explica que, depois de 30 anos de avanços institucionais, a cúpula da Justiça ainda conviva com tamanho entulho autoritário?

Parte da resposta está nos poderes desmedidos do presidente da República em nosso sistema político. Em nossa experiência democrática, nunca uma indicação do Palácio do Planalto para o STF foi vetada pelo Legislativo. Nunca tal indicação foi submetida ao teste do conflito de interesses.

O resultado é uma Corte Suprema na qual existe a possibilidade de ministros tirarem vantagem monetária do cargo que ocupam por meio de negócios paralelos ou pela capacidade de alavancar familiares para posições de influência, no Estado ou no setor privado. Em tal cenário, há também espaço para ministros que atuam em favor de ex-clientes ou em nome das forças políticas e empresariais das quais dependem para manter vivas suas redes clientelistas e de patronagem.

Nesse sistema, a presença, na corte suprema, de ministros capazes de manter viva a chama da República não é garantida. Depende mais da convicção pessoal e do compromisso moral de indivíduos virtuosos do que da força das regras do jogo.

A grave crise que abala a vida pública brasileira demanda reforma profunda. Ajustes pontuais, nas margens, não resolverão o drama central de um sistema de governo que se descolou da sociedade que paga a conta.


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