Folha de S. Paulo


Enquanto TSE afundava a República, britânicos davam show de democracia

Justin Tallis/AFP
Theresa May discursa após a eleição que tirou a maioria de seu partido no Parlamento
Theresa May discursa após a eleição que tirou a maioria de seu partido no Parlamento

Na semana em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se dedicou a afundar a República, o mundo assistiu a uma democracia em ação: a tungada épica do eleitorado britânico em Theresa May.

Comparar May a Temer é impossível porque eles são como alhos e bugalhos. Mas Londres ajudou a entender por que a podridão contamina tudo em Brasília.

Quando o primeiro-ministro David Cameron convocou o referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, esperava ganhar de lavada. Como perdeu, renunciou na manhã seguinte. O sistema eleitoral britânico não comporta a blindagem de um líder sem apoio popular. O político é obrigado a se alinhar à vontade da maioria.

Cameron foi substituído por Theresa May, que não tinha opção a não ser entregar o "Brexit" ao eleitor. Enfrentando resistência dentro de seu partido e na oposição para honrar essa promessa, ela convocou eleições antecipadas.

No sistema britânico, isso é o que um primeiro-ministro faz quando precisa forçar a mão de uma bancada parlamentar arredia —obriga os deputados a enfrentar a fúria popular. Lá, o que dá sustentação ao governo é popularidade, não a distribuição de emendas, cargos públicos ou propina.

A aposta de May fazia todo sentido porque seu opositor era Jeremy Corbyn. Além de ser incapaz de disciplinar a própria bancada, ele estava à esquerda demais para conseguir uma grande maioria eleitoral. No sistema político britânico, radicais ou aventureiros não têm vez.

A partir daí, entretanto, tudo desandou. May conduziu uma campanha desastrosa porque se recusou a explicar ao eleitor os detalhes de sua fórmula para o "Brexit". Enquanto ela se calava, Corbyn transformava a eleição numa disputa não sobre a saída da União Europeia —para a qual ele não tem resposta—, mas sobre redistribuição de renda, assunto que domina.

No sistema eleitoral britânico, o político é obrigado a explicar os detalhes das coisas que pretende implementar. Quem vende gato por lebre ou comete estelionato eleitoral sempre perde. Não depois de uma longa batalha no Congresso ou no Judiciário, mas no dia seguinte.

Lá, o sistema pune quem enrola, engana, mente ou tergiversa. Entre May e Corbin, as duas escolhas ruins da semana passada, o eleitor britânico optou por não dar maioria a ninguém.

Valha a diferença. Hoje, em Brasília, o presidente investigado não tem força para governar. Mas, como o sistema eleitoral blinda a classe política da vontade do eleitor, Temer fica. Como ele tem de comprar apoio, o custo é enorme. Regras do jogo perversas sempre produzem uma sociedade rendida.


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