Folha de S. Paulo


Política externa não está preparada para dança de cadeiras no Itamaraty

Alan Marques/Folhapress
Ex-chanceler do governo Temer, José Serra participa de reunião em Brasília

Em 20 anos de regime militar, o Brasil teve seis ministros do Exterior. Nos 20 anos entre Collor e Lula, cinco. De Dilma para cá, entretanto, só passaram seis anos, mas já estamos no quinto chanceler.

A dança de cadeiras não é um problema em si. Em vários países, diplomata-chefe dura pouco: França, Índia, Israel e Reino Unido ilustram o ponto. A diferença é que, nesses países, as instituições são desenhadas para essa rotatividade.

Não é o caso do Brasil. Aqui, não existe uma instância do Palácio do Planalto para coordenar as atividades internacionais de ministérios, autarquias e empresas públicas. O Congresso Nacional não estabelece diretrizes diplomáticas nem determina os orçamentos necessários para persegui-las. A responsabilidade pela agenda externa recai, de forma desproporcional, sobre os ombros do chanceler.

O resultado disso é que o êxito ou o fracasso da plataforma diplomática de um governo depende, em grande medida, de energia, dinamismo, inteligência, esperteza, rede de contatos e capacidade de mobilizar apoio político do próprio ministro do Exterior.

Essa tendência é acentuada pela estrutura do Itamaraty. Apesar de ser uma máquina de quadros especializados e de carreira, a instituição padece de enorme "ministrodependência". Como seus funcionários não possuem peso político próprio, precisam de um ministro forte o suficiente para vencer as batalhas de praxe, dentro e fora de Brasília.

Além disso, a ascensão dos funcionários na carreira e a sua remoção para bons postos no exterior também dependem da anuência ou do empenho pessoal do chanceler, que termina virando centro de gravidade de toda a máquina.

Num passado recente, tal dependência era menor que hoje. Era comum que o chanceler convivesse com argumentos discordantes, expressos de maneira direta, no colegiado de embaixadores graúdos que chefiam as subsecretarias do ministério. A discussão podia ser acirrada a ponto de demandar intervenção presidencial, mas o espírito era colegiado.

Não mais. Em anos recentes, o subsecretariado foi sendo esvaziado, e o poder concentrou-se no gabinete do ministro. Discordâncias em temas substantivos podem permanecer sempre nas profundezas, reforçando ainda mais a centralidade do ministro. Sem ele, tudo trava. Por esses motivos, a dança constante de cadeiras é um problema. O sistema existente foi talhado para ter ministros longevos.

No curto prazo, o risco é atrasar, dificultar ou emperrar processos em andamento. No médio prazo, o risco é postergar, uma vez mais, o trabalho urgente de reajuste estratégico. Afinal, de Mercosul a Brics, de Venezuela a União Europeia, de programa espacial a controle de fronteiras, as áreas-chave da diplomacia brasileira demandam profunda renovação.


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